O LABIRINTO



Quando eu desejei ter todo o tempo do mundo pra mim eu não imaginei que ficaria a maior parte do tempo deitada numa posição sem poder me mexer. Onde foi que eu pedi errado? E quando os dias passam e olho para as roupas esparramadas na cama e aquelas que caíram no chão e não consigo abaixar para pega-las, então digo: quando estiver melhor farei isso. E os dias passam e isso nunca acontece. E no banho o sabonete cai no chão e se tiver quatro deles disponíveis todos cairão no chão. Deve existir um meio de conseguir sentar na cama e cruzar as pernas. Mas não, é sempre de bruços, pra logo mais a noite, na madrugada acordar em dores, sem posição e ir mancando até o fogão esquentar a bolsa de água quente. E na maioria das vezes esqueço a panela no fogo e só lembro quando sinto o cheiro de alumínio queimando. Onde estão as pessoas que cuidei? Que penteei, fiz massagem, troquei, dei banho, contei histórias para que dormissem... Tá certo que estão todas mortas, mas não fui eu quem as matei. Meus cabelos estão enormes, sinto vontade de pegar a tesoura e corta-lo assim como vi alguém fazendo num filme, e ficou tão lindo.  A última vez que entrei num salão pra fazer as unhas sai de lá mal conseguindo andar. E o que mais doí e ver os meus olhos. Meus olhos estão arregalados, a dor esta deixando eles parados sem alegria sem vida. Ainda sinto vontade de fazer muitas coisas e só não estou depressiva, porque odeio a tristeza, e quando sinto que ela esta abrindo a porta e sutilmente entrando, olho além e penso: quantos estão caminhando comigo? Isso me da força. Há outras coisas, coisas perfeitamente normais, como sentar numa lanchonete e comer uma pizza e tomar um delicioso suco de laranja. Ir até a zona cerealista e comprar montes de chás e arroz integral e tanta coisa boa. Agora ninguém mais fica buzinando no meu ouvido: você não para! É parei. Daqui a pouco estarei comendo o que restou do último pacote de bolacha de água e sal e tomando meu último restinho de leite em pó com café. E ninguém veio perguntar se esta faltando alguma coisa. E o que eu irei dizer? Tem coisas que não se diz por que as lágrimas não deixam. A dispensa está vazia e a caixa de remédios está cheia e agora posso dormir num colchão novo ortopédico e não mais naquele antigo de espuma e todo torto. Tenho uma bela cama pra dormir. Nada pra comer. E um longo carnê de prestações. Tudo além de minhas posses. Em compensação agora já não acordo com o corpo em formato de U. Isso foi em abril. E penso nisso todo o tempo. Quando começo a analisar, procurando o lado bom, se é que existe, mas é justamente isso o que os especialistas dizem o lado bom de certo aprendizado, em alguns momentos até que aprendo, exceto nas ocasiões em que me acomete uma sensação de estar morrendo, e sinto vontade de gritar, de pedir ajuda. Há muito tempo que não sonhava e agora, a minha vida inteira está nos meus sonhos. E quando acordo nas madrugadas eles são tão reais e não mais assustadores, que acabo me vendo ansiosa, em dar continuidade a eles, e pela primeira vez na vida eu estou disposta a cooperar com meus fantasmas. É algo tão tranquilo que parece com qualquer coisa menos com um ajuste de contas.
MLAILIN
         
          

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