
Eu já tinha lido essa crônica abaixo há anos atrás no Jornal do qual o Otto trabalhava, gostei tanto que fiz o que fazia com todas: recortei e guardei em meus cadernos de crônicas ou historias que achava que mereciam ser lembrados. Hoje ela apareceu de novo no meu caminho enquanto eu folheava (navegava) pela internet a procura de coisas que foram escritas por pessoas que realmente vale a pena serem lidas. Foi então pensei no quanto é difícil ver o que de tão comum vemos todos os dias, e lembrei que no meu caso eu tenho que escrever em agendas ou tirar fotos de lugares e pessoas para deixar gravado em minha mente momentos acontecidos naquele ano, porque lembrar de todos os dias, não lembro, quero saber quem lembra. A foto acima mostra uma mulher sentada em um belo sofá florido. Essa mulher sou eu. Estava em Sorocaba. Essa casa estava a venda e havia alguns moveis incluindo esse belo sofá. No dia achei interessante fazer uma fotografia nele pois combinava com a roupa que vestia. Sueli foi a fotografa. A casa era de um namorado seu, na época. Eu e o Lorde estávamos visitando a cidade. Sorocaba sempre me deu uma certa preguiça, uma vontade de dormir o dia todo, um nada fazer. Lembro desse sentimento e lembro de almoços, de cafés de bebidas. O dia ensolarado, as ruas, as casas, havia barulho, vozes, e agora não mais em minha mente.
👇
Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta
Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima ideia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
Otto Lara Resende
Estava em uma manha de um ano e um dia que não sei quando andando pela via Santa Catarina, no Porto, e dei de encontro com uma equipe que fazia uma filmagem de modas e fiquei impressionada com a beleza das meninas que participavam. Não sei o nome de nenhuma, muito menos de onde são, e qual era a revista pela qual trabalhavam. Mas isso não importava fotografava e impressionada ficava. Não foi um ver por ver, foi um ver para não esquecer.
Lembro muito das minhas idas ate a casa das rosas quando sentia vontade de seguir para um lugar diferente onde eu pudesse ver gente, ler alguma coisa, pegar o trem de subúrbio da FEPASA, descer na Barra Funda pegar o metro sentido Sé e ali fazer baldeação sentido Avenida Paulista e pronto estava em um lugar agradável. Não fiz amizades ali dentro mas sabia quem era quem por causa do facebook. Acompanhava a vida dessas pessoas. Poetas e escritores, Com eles vim a conhecer e a ler livros de ilustres desconhecidos.
Fotografei muito as pessoas em seus movimentos suas idas e vindas, não era bem o rosto que eu queria era tudo que meus olhos pudessem captar, as mãos por exemplo, o que fariam essas mãos em um futuro próximo?

Dentro de um trem ou comboio como é chamado em Portugal fiz amizades com algumas pessoas de quem eu guardo o nome e uma consegui ate ser amiga dela e conhecer sua família e sua casa. Mas o resto foi somente por observação. Como eu tem outros que tem esse modo diferente de ver assim como Otto tinha. Eu ainda não banalizo meu olhar, não vejo pelo simples fato de ver. Vejo para anotar e para descobri o por que dele existir. Se me derem a oportunidade de descobrir quem são, ai então será uma transação fechada, cheia de perguntas e respostas. Uma vez em um desses trens com destino a Marco de Canaveses assustei uma jovem senhora vestida de vintage com minhas perguntas. Era uma portuguesa. Nunca mais me deu confiança. Tem gente que não quer se mostrar, tem medo, sendo assim é melhor não vê ou fazer de conta que não viu.

Tem muitos que nunca ouvi a voz. Nunca atenderam o telefone, ou estavam a conversar. Mas estavam sozinhos, assim como eu, Sozinhos com seus pensamentos, com suas vidas, com suas tristezas e suas alegrias. Faziam mentalmente planos para o hoje e para o amanha e lembravam de coisas do passado e do ontem que havia terminado. Muitos carregam livros e liam e eu procurava saber o que liam para ter a certeza que tínhamos alguma identificação em conjunto, se éramos da mesma estirpe. Sempre que vejo alguém lendo me sinto igual e penso em um frase que li: Uma casa sem livros é como um corpo sem alma (Cicero). Nem é preciso conhecer a casa basta olhar se a pessoa carrega consigo um livro. Tem pessoas que carregam um na bolsa somente para saber que estão bem acompanhadas, eu sou uma delas. Morro de medo de ter que esperar em algum lugar sem nada para ler. Uma vez fui em uma casa em Camanducaia que não havia um livro sequer nem de escola, se tinha deveria estar muito bem escondido como se fosse uma arma. Procurei no banheiro caixas de remédios e tirei as bulas, iria ler. Desde então aprendi a ler as bulas e a ficar horrorizada com tantas paginas de contra indicação e somente três linhas de indicação. Foi a casa mais triste que eu estive. Nunca esqueço. 
Vejo pessoas lendo coisas que eu jamais leria e que só de ler o titulo sei que vou esquecer na próxima parada, embora admire seu estado de ler não importa o que. Recentemente comecei a ler uns contos de Stephan King pois me interessei em saber como é seu estilo de escrever. Logo no primeiro conto já perdi a vontade de ler o restante, pois era o mesmo de estar lendo uma crônica policial, ou um relatório de um advogado, com a única diferença que o escritor entra em mais detalhes para dar continuidade a ação, por isso seus livros são aqueles calhamaço. Cheguei a conclusão que seu sucesso se deve aos roteiros que foram feitos de suas historias para o cinema, que tornaram as cenas e a interpretação impressionantes começando com o iluminado uma obra prima do cinema.
O ano que eu mais vi foi nos dois anos de COVID, foi quando as pessoas desapareceram e ficou somente alguns gatos pingados que se atreviam a sair para o mercado, farmácia, andar com seus cachorros e outros corajosos como eu que se dirigiam ao mar, para as ruas, para conversar desabafar, uns sozinhos, outros acompanhados, não mais que dois. Se as pessoas tem trauma do COVID eu nunca tive. Ele deixou recordações ruins e recordações boas. As duas se tornaram uteis, se eu disser que os dois anos se tornaram uma aventura uma epopeia entre lagrimas e sorrisos e que sinto saudades de cada dia, embora se eu tivesse o dom de saber o que viria depois talvez não tivesse nutrido desesperos sem sentido. Pois foi o ano que eu mais vi coisas na minha vida, porque não existia gente, estavam todos confinados em suas casas e eu andando por esse Porto afora vendo a natureza como nunca a vi pois não havia gente espalhafatosas, correndo para lá e para cá em sua alucinada pressa de ser e acontecer.
Andei muito de trem de metro as passagens estavam liberadas não eram cobradas e assim a coisa se tornou melhor ainda, ia ate onde podia ir observando detalhadamente cada um que passava por mim e ouvia o que diziam. Senhoras que iam e vinham com suas sacolas de compras, com a mesma pressa a mesma hora marcada. Iam para suas casas onde tudo deveria continuar como antes como sempre tinha sido e que agora nao eram mais. 
As historias vindas do mundo eram bizarras. Todos tinham algo para contar, diziam que ao final se tornariam mais humanos. Engano. Os dias e anos posteriores mostraram que ficaram piores. Assim como os israelitas no deserto depois de tanta salvação e milagres continuaram o mesmo de sempre, piores de sempre. Eu ouvia e não apostava em nada no que se referia a sociedade humana e ao futuro dela, pensando em um dia de cada vez. Agora ninguém precisava de desculpa para não dizer bom dia, boa tarde ou boa noite, ninguém queria mais falar com ninguém, exceto com seu parente. Eu observava essa gente que ao perceber que eu caminhava no mesmo caminho pulavam para um canto quase caindo nas plantas plantadas junto ao muro. As pessoas pouco se importam se vemos o que elas fazem ou se nos sentimos mal com aquilo que fazem. Parecem que dizem em seu consciente: eu quero é mais que se foda. Desculpem o nome usado.

Não houve festa de São Joao, por mim pouco importou pois nunca gostei. Não vi mais as pessoas dançando na rua. Não tinha mais com quem conversar, exceto com membros de sua família e eu não tinha família para conversar, não havia mais cegos sanfoneiros e muito menos praças parques ou bancos para sentar e observar, se quisesse ficasse em pe. Eu fugi para o mar, lá ninguém me acharia e eu podia continuar a observar, ainda haveria gaivotas, as ondas se quebrando na areia, o céu e Deus. Depois quando tudo terminou, cada um tomou o seu rumo e eu ando vendo um mundo diferente.
Marcia Mesquita - Em Los Angeles CA - junho/2025
Comentários