Celebração da vida

 

Fui convidada pelo meu parceiro para ir em uma Celebração de vida. Achei estranho quando ele usou este nome: Celebração de vida. Estranho porque ele me contou sobre a pessoa que o convidou por mensagem, e segundo percebi ela estava em estagio avançado de um câncer, ou seja em estagio terminal. Celebração de vida dentro de uma igreja? Confesso que isso me deixou com vontade de dizer: Vai você. Por que meu estado de alerta não aprovava minha ida? Porque não considero o melhor ambiente para celebrar a vida. Ficaria mais tranquila e iria com prazer se o local escolhido fosse uma praia, como muitas existentes na Califórnia, onde estaríamos sentados na areia debaixo de alguma cobertura, conversando, seus amigos, seus filhos falando sobre ela, e depois poderíamos ler frases de livros onde autores consagraram a vida e por fim leríamos uma passagem do rei Salomão onde ele disse que tudo é vaidade. É claro que a Bíblia estaria presente, pois é nela logo no inicio que encontramos o primeiro e terrível julgamento de Deus, que como juiz justo, e imparcial julgou e declarou: Porque tú és pó e ao pó voltarás. Embora esse julgamento não tenha sido o ponto final, o fim sem esperança. Na noite de sábado não estava nada satisfeita com esse convite para a tarde de domingo. Mas antes de dar uma resposta resolvi olhar mais atentamente meu sentimento de negatividade, e o significado que minha mente e coração dava a celebração da vida. E fui encontrado os registros mentais. Estava naquilo que pedi aos meus amigos quando iam enterrar seus mortos e eu dizia a eles que  no meu enterro eles não precisavam ir pois eu não estarei lá. Minha celebração a vida está na vida. No Brasil e na Foz do Douro ... em minhas idas e vindas por todos os anos em que estive em Portugal


Esta certo que visitei outros lugares, outros países mas não com a mesma intensidade como em Portugal, fazendo com que eu me tornasse uma fiel defensora da natureza desse pais e defensora de sua cultura e de seu povo. Foi ali que encontrei o significado de celebrar a vida, foi ali que entendi que viver era bom apesar de que... Foi ali que fiz alguns desejos, inclusive um de ver minhas cinzas sendo jogadas no rio Douro indo ao encontro do belo e magnifico Atlântico Norte.


Deveríamos ter motivos para celebrar a vida em vida, e  transformados aqueles momentos prazerosos em eternos, embora nem todos tenham tido nobres motivos, mas se tivermos aprendido a lição daquilo que ela, a vida, quis nos ensinar podemos ter certeza que não será preciso avisar os amigos ou contratar um evento para que isso aconteça. Celebro a vida em cada momento vivido embora com momentos de decepções, de lagrimas e frustrações mas com a voz ressoando ao fundo do professor Miguel Costa Jr. nas manhãs em que eu ligava para ele as  7hs da manhã perguntando como ele estava e ele respondia: Maravilhosamente bem. E eu ficava pensando como esse senhor de 85 anos podia dizer Maravilhosamente bem, em um mundo simplesmente desprezível? Ele sorria e dizia: Você irá entender! Era o ano de 1999, demorou duas décadas para que eu entendesse em sua plenitude. Aprendi a ouvir outras vozes, sejam de escritores, de profetas como aquele que disse: Coragem eu venci o mundo! ou por psicólogos, psiquiatras, cientistas e ate mesmo criminosos embora esses de forma fugazes.  

Conheci as noites de lua crescente a minguante, o frio das manhãs, o sol do inverno, o sol do verão, aprendi a ver a suas diferenças e as suas belezas,  a aceitar como são, da forma que foram criados para serem amados. apreciados como motivos de alegria e não de pesar. Amei cada momento do acordar ao levantar, mesmo tendo que ir a procura da minha  subsistência, recebendo um salário baixo para o aluguel, vestimenta e comida. A corrida pela vida não era um fardo, pois fui aprendendo que no suor do meu rosto existia alegria, ao observar os pairos das nuvens e encontrar a sabedoria daquele que é perfeito em conhecimento...

A celebração ocorreu em uma igreja Metodista em Santa Monica. Foi domingo dia 08.09.2024. Demoramos para encontrar um local para estacionar, não por causa da celebração mas estávamos muito próximo da praia e era um dos dias mais quentes do ano, realmente parecia que estávamos dentro de uma labareda de fogo. Quando conseguimos chegar ao local já havia começado e somente encontramos lugar para sentar na primeira fileira. Uma senhora era a apresentadora. Na entrada a nossa direita existia uma mesa cheia de pratos com salgados e algo mais que não deu tempo de observar, mas fazia parte de uma ceia. Não sei porque mas não teria coragem de comer nada do que via exposto ali, algo me dizia para não tocar. Havia também uma árvore que chamavam de árvore da memoria, onde poderíamos pendurar bilhetes que seriam depois lidos em casa, para a celebrada. Ao passar pelo local onde a celebrada estava deitada, de relance vi seus pés e metade de sua perna, uma parte de seus braços, seu rosto e seus cabelos, tudo muito branco como a folha de um papel, como a visão de um fantasma. Quando um corpo chega a esse estagio é porque já não existe mais vida, já não existe mais sangue, talvez ainda algumas gotas que a manterão por um ou dois dias ou mais. Seu filho estava ao seu lado em pé e arrumava um cano de plástico transparente que estava ligado ao seu corpo e no chão estava sentada uma senhora loira de cabelos cumpridos rodeadas por alguns panos que julguei ser seu vestido e uma colcha em que deveria estar sentada. Era a Doula (mulher que serve) da celebrada. 

Não preciso dizer que eu não queria ir, mas me vi obrigada a ir para fazer companhia para o parceiro que se viu no desejo ou na imposição de ir, achei algo tão absurdo ter que ir, que cheguei até a imaginar se essa pessoa não teria sido uma antiga namorada ou amante do parceiro em questão. Como me propus a ir não iria ficar aporrinhando ou supondo coisas reais ou imaginarias, afinal era praticamente uma vida que caminhava para o fim. Ou existe alguma dúvida? Sentamos, cruzei as pernas e fiquei a ouvir grego. Grego? Sim. No meu país falamos que a língua é grega quando ouvimos uma língua incompreensível, e é assim o inglês para mim, grego. Nesse momento nessa segunda-feira, dia em que digito essas letras para falar sobre o ontem que passou e sobre a celebração da vida dessa mulher, isso era algo estranho para mim, e  vim a descobrir hoje na aula de inglês por intermédio da professora que isso, essa coisa de celebrar a vida em sua ultima semana, é  comum para este país. Vou descobrindo de forma surpresa o que é comum neste país. Poderia ser algo mais fácil de digerir e não algo que me tirasse do chão e abalasse minhas emoções, assim como andar por essas ruas, cheias de casas, de flores, árvores, gramas e não ver viva alma e nem ouvir viva voz. Onde estão celebrando suas vidas? Cada pergunta absurda que eu faço.


Foi assim, estávamos lá sentados com três ventiladores virados para nossos rostos, despenteando meus cabelos agora ralos em virtude dessa água a pior que já vi em toda minha vida, e que me faz perguntar: Como podem? Gastam fortunas com viagens espaciais, em pesquisas com objetivos escusos trazendo não a solução para um problema mas um outro gatilho destrutivo na forma de químicas e mais químicas, não sendo capazes de captarem uma agua agradável ao paladar e ao corpo. Por que? Porque isso fazia parte da criação, de uma obra perfeita que foi destruída e não será recuperada. Estava eu lá sentada, tentando entender as palavras que eram ditas, tentando entender por que algumas vezes os oradores choravam, outras vezes sorriam... Por ser uma leitora compulsiva imaginava que recordavam momentos felizes e sentiam agora que se aproximava a partida, então eu entendia aquela língua estranha e ao mesmo tempo comum para as emoções de um empata. Uma jovem tocou uma linda musica em uma harpa e depois houve pela televisão uma exposição de fotos desde criança até a idade adulta e um pouco de suas viagens, mas foi tudo tão pouco, nada do que eu via mostrava algo mais além, capaz de formar um quadro de uma vida bem vivida. Fiquei com pena isso sim, tudo me pareceu sem vida, assim como o espectro de Florbela Espanca em sua poesia de alguém que veio a essa vida para encontra-la e nunca na vida a encontrou. Um vazio, um fantasma. Fiquei a digerir o que era apresentado e a fazer uma parâmetro sobre a vida dela e a minha e a questionar onde errou onde errei onde acertou onde acertei, imaginando o que ela deveria ter mudado, se é que percebeu, se é que sabia, se é que queria. Tudo isso, e eu me colocando na primeira pessoa e não mais ela. Ela estava morta. E eu não me sinto muito bem.


E agora para onde ir? Qual caminho tomar? O que virá a seguir? Terei forças para enfrentar os meus fantasmas em minha vida de solidão, assim como ela teve na sua? No monitor do computador da TV no alto da parede havia algumas pessoas pelo zoom. Fiquei olhando para elas, uma chorava, outra sentada no sofá se levantou para abrir a porta. Havia um homem que olhava atentamente para o monitor e mais alguns outros que só havia a foto e nenhuma expressão. Em nenhum momento vi nenhum orador abrir a Bíblia e ler um texto bíblico, afinal estávamos dentro de uma igreja. Ou será que a igreja foi paga simplesmente para celebrar independente de usar ou não a Bíblia, afinal a igreja é ou não é imparcial?


 Eu estava bem perto de sua foto em preto e branco e do microfone onde as pessoas iam para demonstrar seu motivo de estar ali. Eu não tinha nenhum exceto a vontade de aprender sobre os costumes desse pais em que vivo, embora tive premonições negativas do tipo você não irá gostar, e devo dizer que não gostei mesmo, que ainda acho que a celebração da vida deve ser feita todos os dias ao acordar com sensatez e bom juízo. Sim juízo, muito juízo, eis o que nos falta.  Embora, quando nos damos conta disso já é tarde demais. Não existe mais volta, mas existe algo muito bom e curativo para os que vão e para os que ficam: Perdão! Seria muito bom para os que vão se soubessem que foram perdoados antes de partir. Os que permanecerem ficará uma lição a ser aprendida antes de irem para a ultima morada. Ultima? Fica a pergunta



Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos. (Victor Hugo)


Márcia Carter - Los Angeles - CA


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