Celebração da vida

Fui convidada pelo meu parceiro para ir em uma Celebração de vida. Achei estranho quando ele usou este nome: Celebração de vida. Estranho porque ele me contou sobre a pessoa que o convidou por mensagem, e segundo percebi ela estava em estagio avançado de um câncer, ou seja em estagio terminal. Celebração de vida dentro de uma igreja? Confesso que isso me deixou com vontade de dizer: Vai você. Por que meu estado de alerta não aprovava minha ida? Porque não considero o melhor ambiente para celebrar a vida. Ficaria mais tranquila e iria com prazer se o local escolhido fosse uma praia, como muitas existentes na Califórnia, onde estaríamos sentados na areia debaixo de alguma cobertura, conversando, seus amigos, seus filhos falando sobre ela, e depois poderíamos ler frases de livros onde autores consagraram a vida e por fim leríamos uma passagem do rei Salomão onde ele disse que tudo é vaidade. É claro que a Bíblia estaria presente, pois é nela logo no inicio que encontramos o primeiro e terrível julgamento de Deus, que como juiz justo, e imparcial julgou e declarou: Porque tú és pó e ao pó voltarás. Embora esse julgamento não tenha sido o ponto final, o fim sem esperança. Na noite de sábado não estava nada satisfeita com esse convite para a tarde de domingo. Mas antes de dar uma resposta resolvi olhar mais atentamente meu sentimento de negatividade, e o significado que minha mente e coração dava a celebração da vida. E fui encontrado os registros mentais. Estava naquilo que pedi aos meus amigos quando iam enterrar seus mortos e eu dizia a eles que no meu enterro eles não precisavam ir pois eu não estarei lá. Minha celebração a vida está na vida. No Brasil e na Foz do Douro ... em minhas idas e vindas por todos os anos em que estive em Portugal
Conheci as noites de lua crescente a minguante, o frio das manhãs, o sol do inverno, o sol do verão, aprendi a ver a suas diferenças e as suas belezas, a aceitar como são, da forma que foram criados para serem amados. apreciados como motivos de alegria e não de pesar. Amei cada momento do acordar ao levantar, mesmo tendo que ir a procura da minha subsistência, recebendo um salário baixo para o aluguel, vestimenta e comida. A corrida pela vida não era um fardo, pois fui aprendendo que no suor do meu rosto existia alegria, ao observar os pairos das nuvens e encontrar a sabedoria daquele que é perfeito em conhecimento...
A celebração ocorreu em uma igreja Metodista em Santa Monica. Foi domingo dia 08.09.2024. Demoramos para encontrar um local para estacionar, não por causa da celebração mas estávamos muito próximo da praia e era um dos dias mais quentes do ano, realmente parecia que estávamos dentro de uma labareda de fogo. Quando conseguimos chegar ao local já havia começado e somente encontramos lugar para sentar na primeira fileira. Uma senhora era a apresentadora. Na entrada a nossa direita existia uma mesa cheia de pratos com salgados e algo mais que não deu tempo de observar, mas fazia parte de uma ceia. Não sei porque mas não teria coragem de comer nada do que via exposto ali, algo me dizia para não tocar. Havia também uma árvore que chamavam de árvore da memoria, onde poderíamos pendurar bilhetes que seriam depois lidos em casa, para a celebrada. Ao passar pelo local onde a celebrada estava deitada, de relance vi seus pés e metade de sua perna, uma parte de seus braços, seu rosto e seus cabelos, tudo muito branco como a folha de um papel, como a visão de um fantasma. Quando um corpo chega a esse estagio é porque já não existe mais vida, já não existe mais sangue, talvez ainda algumas gotas que a manterão por um ou dois dias ou mais. Seu filho estava ao seu lado em pé e arrumava um cano de plástico transparente que estava ligado ao seu corpo e no chão estava sentada uma senhora loira de cabelos cumpridos rodeadas por alguns panos que julguei ser seu vestido e uma colcha em que deveria estar sentada. Era a Doula (mulher que serve) da celebrada.
Não preciso dizer que eu não queria ir, mas me vi obrigada a ir para fazer companhia para o parceiro que se viu no desejo ou na imposição de ir, achei algo tão absurdo ter que ir, que cheguei até a imaginar se essa pessoa não teria sido uma antiga namorada ou amante do parceiro em questão. Como me propus a ir não iria ficar aporrinhando ou supondo coisas reais ou imaginarias, afinal era praticamente uma vida que caminhava para o fim. Ou existe alguma dúvida? Sentamos, cruzei as pernas e fiquei a ouvir grego. Grego? Sim. No meu país falamos que a língua é grega quando ouvimos uma língua incompreensível, e é assim o inglês para mim, grego. Nesse momento nessa segunda-feira, dia em que digito essas letras para falar sobre o ontem que passou e sobre a celebração da vida dessa mulher, isso era algo estranho para mim, e vim a descobrir hoje na aula de inglês por intermédio da professora que isso, essa coisa de celebrar a vida em sua ultima semana, é comum para este país. Vou descobrindo de forma surpresa o que é comum neste país. Poderia ser algo mais fácil de digerir e não algo que me tirasse do chão e abalasse minhas emoções, assim como andar por essas ruas, cheias de casas, de flores, árvores, gramas e não ver viva alma e nem ouvir viva voz. Onde estão celebrando suas vidas? Cada pergunta absurda que eu faço.

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