Respire fundo, solte o que pesa
Estou sentada no banco de cimento gelado do metro estação trindade. E tão gelado que ultrapassa a carne e penetra nos ossos. A parede na qual eu encosto minha coluna gela em cada costela reproduzida de Adão e Eva. Do meu lado direito uma senhora que aparenta ter uns 10 anos ou mais que eu usa uma saia marrom com detalhes cinza em xadrez com rosas vermelhas. Nos pés tem uma bonita bota marrom e por cima dos ombros um sobretudo bege cumprido até a metade da perna. Ela observa o movimento das pessoas e eu a observo. Sinto vontade de perguntar a ela como ela se livrou de todos os abrasadores verões e todos os rigorosos invernos que a vida mais que as estações nos oprimem e maltrata. Mas não perguntei, ficou na vontade. Nem todos curtem diálogos, trocar informações. E outra, não estou acostumada a ouvir sempre a mesma resposta que dão: é a vida. Não, não é a vida. A vida sempre se renova. Você acorda sempre bem ou você representa. Sempre tem uma musica de melancolia tocando em sua mente, sim sempre tem mas você não pode falar sobre isso, porque a regra e agradecer por estar vivo. As manhas e o acordar tem sido assim. Mas as noites, sim as noites são pior, e quando baixa o medo baixa a escuridão e o peso da angustia, mas é essa escuridão que preenche meu coração e traz a força de ser de estar. Na televisão centenas de milhares de pessoas vestidas de preto empunhando imagens de Soleimani exigem vingança contra os EUA. Vivemos dentro de uma panela de pressão. De qual lado ficar. Já não é mais nem uma pergunta, pois não encontramos resposta. Como saber quem é o lobo mau e quem é o chapeuzinho vermelho. Temos que levar em conta todos os fatos. Mas como consegui-lo. Como é que alguém consegue entender as relações entre milhares de grupos entrecruzados espalhados pelo mundo. Perguntou o escritor Noah Harari em 21 lições do século XXI. Mesmo que realmente queiramos faze-lo a maioria de nos já não e capaz de compreender os grandes problemas morais do mundo. Os seres humanos conseguem entender as relações entre dois caçadores, entre 30 caçadores ou entre dois clãs vizinhos. Mas não estão preparados para abraçar as relações entre vários milhões de sírios, entre 500 milhões de europeus ou entre todos os grupos e subgrupos interligados do planeta.
Eu não entendo muita coisa, ou não quero entender pois esta tudo além do entendimento de tão absurdo que se tornou. Estou deitada nesse quarto de um prédio residencial na rua Gil Eanes, um navegador do século XIV. E noite, inicio dela, escuto uma musica de Phillip Glass, tema do filme as horas baseado na vida de Virginia Woof. Meus pés estão gelados e minhas costas inclinadas amortecidas em virtude da artrose que habita em mim desde 2011 ou meados. Com essa idade em que estou, com esses calafrios, esse frio de morte, essa sensação de abandono, de rosto enrugado, pele caída e as pessoas olhando e pensando: velha. Ontem uma amiga brasileira mandou uma mensagem perguntando onde eu estava. Disse onde e ela também disse e combinamos de nos encontrar. Estávamos bem perto uma da outra e combinamos o local do encontro. Já parei duas vezes de escrever porque eu continuo a sentir aquela dor no estomago que parece explodindo dentro de mim. Nos encontramos em um café. Ao vê-la atravessando a rua percebi seu semblante machucado, não por hematomas, mas algo dentro de si. Quando ela se aproximou senti uma vontade forte de beija-la e algo me empurrou. Ela olhou nos meus olhos e disse: Fui mandada embora. Mas por que, perguntei. Ela começou a enumerar as milhares de desculpas da rica patroa e quando chegou nos N motivos disse: Tu tiraste um pedaço do bolo em cima da mesa. Quando ela perguntou isso, fiquei tonta, meu equilíbrio balançou. Eu comecei a pensar, segurando as lagrimas: Deus o que e isso. Ela sempre me disse que podia comer o que estivesse exposto. E eu nem gosto de doces. Costumo fazer em casa para o Felipe. Eu não sou de comer doces. Eu peguei um pedaço para experimentar, para ver o sabor, porque eu nunca comi um bolo de cenoura daqui de Portugal, só no Brasil. E essa maneira de fazer diferente, e o bolo estava ruim, estava sem gosto. E tinha um outro bolo mas eu não quis, imagina se eu tivesse tocado no outro. Mas ela não disse que foi por isso, justificou com dezenas de desculpas, ate dificuldades financeiras. Eles são donos da confeitaria Primavera. Para você ter uma ideia a patroa estava na mansão da mãe enquanto reformava o seu apartamento, um triplex na foz do Douro. Na hora enquanto tomávamos o café não tive muita emoção, ouvi com a mesma frieza que um advogado tem ao ouvir o relato de um crime e o pensamento: Que merda é essa
(Patroa) - Olá tudo bem querida
(Empregada) - Oi Dona... Boa noite, tudo bem sim!
(Patroa) - Que bom, estou mandando mensagem sobre a faxina
(Empregada) - Ok, amanha estarei ai no horário marcado
(Patroa) - Na verdade não quero que você venha mais. Não leve a mal, mas da ultima vez que você veio aqui não gostei de algumas coisas que você fez
(Empregada) - Nossa, me desculpa, mas o que eu fiz A Faxina não ficou boa
(Patroa) - Sim, estava ótima! O problema não é esse, Aqui em casa nos só temos um banheiro e você utilizou porque eu ouvi a descarga. Sabe isso e anti-higiênico. Como você utiliza o banheiro da casa dos outros. Você faz isso na casa em que trabalha
(Empregada) - Não acredito que a senhora esta me dispensando porque eu usei o banheiro. Trabalhei igual a condenada e não tinha o direito de usar nem o banheiro. Não tenho nenhuma doença, deixei tudo limpo.
(Patroa) - Não me interessa querida. Não quero esse tipo de pessoa em casa e além do mais joguei os talheres e o prato que você comeu fora. Lembra que eu disse para você pegar o descartável. Então nem isso você fez.
(Empregada) - Infelizmente o mundo esta cheio de pessoas como você. Disse mesmo , mas pensei que não falasse a serio para comer em pratos descartáveis. Se isso e motivo de problemas sou eu quem não quero mesmo.
(Patroa) - Além de nojenta e mal educada vou espalhar no facebook para que nenhuma patroa te contrate.
(Empregada) - Pode postar. Eu estou em paz
Todas as manhas temos que encontrar forças para levantar. Mentalizar... um dois, estica o braço, o corpo ereto. Agora ...
Fechei-me num quarto,
inventei outro Deus,
outro céu, outra terra
e outros homens.
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