Carta para Stefan Zweig

 

Carta para Stefan Zweig

Querido Stefan

Estamos no ano de 2021, o estado de emergência foi declarado. Reclamar a quem? Não podemos mais beijar, abraçar, ficar perto de parentes ou próximo de desconhecidos. Aniversários, natal e ano novo nem pensar. O jornal de hoje entrevistou uma idosa mostrando ela folheando o livro sagrado, onde cita uma frase do apostolo Paulo que diz: “Combati o bom combate terminei a minha carreira, guardei a fé”. Depois de ler ela olhou para o jornalista e disse: “Isso há de passar. Vai passar não vai?” Ao mesmo tempo fez uma afirmação e uma pergunta contradizendo as suas convicções. Vivemos assim, confusos a mercê do nada. Colocaram faixas de proibido nos parques, nas praças e nos bancos para ninguém entrar e sentar. Eu fugi deles e encontrei meu exilio de frente ao mar, onde não sou molestada embora paire o medo de ser descoberta por um fantasma da SS que hoje vive dentro de um uniforme com o nome de Policia. Diferente do que você viveu, hoje somos todos perseguidos independente de raça credo ou religião. Carreguei comigo nessa fuga dois livros: A peste de Camus e o seu: O mundo de ontem. O primeiro que abri foi o teu e não consegui mais parar, parecia ouvir sua voz, sentir sua presença próximo a mim descrevendo seu desespero, sua angustia, seu tormento ao testemunhar um mundo caminhando para sua ruina. Você teve uma guerra mundial e logo a seguir uma outra. Nós estamos tendo uma peste mundial e depois o que teremos? Só temos direito de sair para duas coisas: supermercado e farmácia. Para aprisionar os trabalhadores criaram empregos on line, para a nossa proteção segundo eles, e os que não tem uma profissão definida que se virem. O padre Rubens juntamente com seus voluntários tem servido mais de 300 refeições no almoço e jantar para os desafortunados. Sei o que você quer dizer com um mundo envolto em trevas que conheceu em 1914 e depois em 1939. Hoje existe dois tipo de guerra; uma silenciosa e outras com míssil balístico. Aquilo que você mais tinha medo realmente aconteceu; a banalização do mal é uma regra e não uma exceção e a verdade se tornou relativa, cada um tem a sua. Difícil acreditar em um mundo de luz, quando as trevas começaram em 1914 e continuam até os dias de hoje, você tomou uma decisão drástica, não precisava, poderia ter visto o mundo pegando fogo na sua primeira tentativa de exilio na América, fogo que nunca mais foi apagado. Sendo assim, cheguei a conclusão de que é melhor ser um cão vivo do que um leão morto. A ´decisão mais errada que você fez foi ter seguido para o Brasil, quem viveu em um mundo como a Áustria não suportaria viver em um pais tão vulgar e ordinário. Obrigada Stefan por tudo que escreveu pelo precioso legado que nos deixou em cada obra escrita, como um aviso nas entrelinhas de que a historia sempre se repete embora em nova embalagem. Os anos passaram, o COVID dizimou milhares e hoje estou em um outro país, não digo que estou em paz quanto ao amanhã, caminho como todos procurando ter visão e lucidez para sobreviver em um dia de cada vez.

Com amor,  


 


Letter to Stefan Zweig

Dear Stefan

We are in the year 2021, the state of emergency has been declared. Complain to whom? We can no longer kiss, hug, be close to relatives or close to strangers. Birthdays, Christmas and New Year, no way. Today's newspaper interviewed an elderly woman showing her leafing through the sacred book, where she quotes a phrase from the apostle Paul that says: “I fought the good fight, I finished my course, I kept the faith”. After reading, she looked at the journalist and said: “This will pass. It will pass, won’t it?” At the same time he made a statement and a question contradicting his convictions. We live like this, confused at the mercy of nothing. They placed prohibited signs in parks, squares and benches. I ran away from them and found my exile on the seafront, where I am unmolested although there is a fear of being discovered by an SS ghost who today lives inside a uniform with the name Police. Unlike what you experienced, today we are all persecuted regardless of race, creed or religion. I carried two books with me on this escape: Camus's The Plague and yours The World of Yesterday. The first one I opened was yours and I couldn't stop, I seemed to hear your voice, feel your presence close to me describing your despair, your anguish, your torment at witnessing a world heading towards its ruin. You had a world war and then another. We are having a worldwide plague and then what will we have? We only have the right to go out to two things, supermarket and pharmacy. To imprison workers, they created online jobs, for our protection, according to them, and those who do not have a defined profession have to look away. Father Rubens, together with his volunteers, has served more than 300 lunch and dinner meals to the unfortunate. I know what you mean by a world shrouded in darkness that you knew in 1914 and then in 1939. Today there are two types of war; one silent and others with ballistic missile. What you were most afraid of actually happened; the trivialization of evil is a rule and not an exception and the truth has become relative, everyone has their own. It's hard to believe in a world of light, when the darkness began in 1914 and continues to this day, you made a drastic decision, you didn't need to, you could have seen the world burning in your first attempt at exile in America, a fire that never but it was deleted. Therefore, I came to the conclusion that it is better to be a living dog than a dead lion. The most wrong decision you made was to go to Brazil, anyone who lived in a world like Austria would not be able to bear living in such a vulgar and ordinary country. Thank you Stefan for everything you wrote and for the precious legacy you left us in each written work, like a warning between the lines that history always repeats itself, albeit in new packaging. The years passed, COVID decimated thousands and today I'm in another country, I'm not saying I'm at peace about tomorrow, I walk like everyone else trying to have vision and lucidity to survive one day at a time.

With love,

Márcia Payne - 08.11.24 California-CA


Abaixo um filme baseado na obra de Stefan Zweig, Carta de uma desconhecida (letter from an unknown woman)

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Resumo do filme - "Bicho de sete cabeças"

Palhaço vassourinha, Damião, Blá blá blá

Altadena - A coroa do vale