Para lembrar...

 

FOMO -  Fear of missing - Medo de dicar de fora - FOMO - É o nome inventado para descrever aquela sensação ruim que você tem quando perde o happy hour da empresa, uma viagem em família ou encontro entre amigos. Em suma, um estresse súbito por estar perdendo alguma experiencia valiosa. Marco Túlio Cícero, politico romano que viveu no século 1 AC sofria de FOMO terrível. Toda vez que ele saia da capital, fazia questão de receber cartas, sobre eventos políticos.  No meu caso sou acometida pelo medo de esquecer o que vivi.

O senhor do copo

Era por volta das 20hs e 30m. Estava saindo do estacionamento dos poveiros, subia as escadas quando um senhor com um chapéu e um copo de plástico na mão surgiu na minha frente e mostrando o copo que trazia na mão pediu: "Uma moedita para tomar uma sopa".  

Não recitou uma ladainha, não tocou no nome de Deus . Só pediu. Olhei para ele imaginando para qual finalidade ele queria uma moeda. Fazia uma análise no meu consciente resgatando do meu inconsciente o julgamento que todos fazem e passam um para o outro. Tipo de pai para filho. Não olhei para ele de cima para baixo, olhava atentamente para seus olhos e ele para os meus. Na averiguação do cão pastor alemão não encontrei cheiro ou vestígios de droga ilícitas ou bebidas. A única coisa que percebia era uma secura na pele ocasionada pelo frio e pela fome que nascia no estomago e morria no vazio dos seus olhos. Estávamos em uma praça rodeados por inúmeros restaurantes, então disse a ele: "Veja quantos! São muitos, com enorme fartura de comida e de clientes. Não faria falta a eles darem do seu excesso um pouco daquilo que sobra, ou o que não sobra, dar pelo simples prazer de dar, assim como recebem o dom da vida gratuitamente todo dia ao acordar - Continuei a dizer - Entre lá e peça um prato de sopa, eles não vão negar. Ainda acrescentei sem muita certeza: "Português é gente boa, boníssima". Ele me olhou com cara de nojo e em seus olhos consegui detectar o sinal de negação, eu estava enganada, e virou o copo e o corpo em direção contraria dando-me as costas, desistindo de mim e me deixou ali no meio da praça olhando para ele enquanto descia a rua  na direção do restaurante. Eu seguia seus passos achando, sempre o maldito achismo a martelar a mente, e por conseguinte a mente de todos como praga, achando que era mais um viciado em álcool, bem mais fácil pensar assim, cauterizando a consciência e ficando livre de uma responsabilidade. Continuei a andar e por fim parei na esquina que quase em frente ao coliseu e o mercado pingo doce. Parei para olhar, olhava as pessoas que passavam e então senti vontade de pegar minha agenda e anotar o barulho que havia dentro de mim antes que tudo se perdesse no meio do meu turbilhão existencial. Fazia frio, muito frio. Foi quando novamente o senhor do copo apareceu na minha frente e eu me senti acuada sem saber o que fazer. Lembrei das ilustrações de Jesus sobre a mulher grega que não se importava de comer os restos de pão que caiam da mesa; sobre a mulher de pouca posse que insistia ao juiz para que fizesse justiça no seu caso. Lembrei de Abraão e suas palavras: "Não fará justiça o juiz de toda a terra?". No emaranhado de pensamentos ouvi novamente o senhor do copo pedir e eu diante dele e sua insistência com alguém que também padecia de carência. Será que ele não lembrava de mim? Então perguntei se ele não tinha conseguido algo no restaurante. Ele disse que não. Perguntei a ele o que ele gostaria de comer, havia esquecido que ele pedia dinheiro para uma sopa. Ele disse que gostaria de comer uma comida hindu que serviam em um restaurante ali do lado de onde estávamos.  "Vamos até lá" Eu disse a ele. Agora seria eu quem iria pedir comida para ele, pois não conseguia acreditar que quando alguém com fome pede comida isso é negado. Saímos e fui com ele em direção aos restaurantes com mesas na calçada. Perguntei a ele: "O senhor pediu para esse povo?". Ele disse: "Sim!" E o que aconteceu? - Perguntei. Ninguém me deu - respondeu. "Ninguém!!??" Exclamei abismada olhando para aquela clientela chique no ultimo, com o bolso endinheirado, as mesas fartas, estavam em grupos, muita bebida, comida. Talvez se eu pedisse em seu nome, não duvidariam que tinha fome . Pareceu-me uma boa ideia. E assim me dirigi a uma mesa  onde havia um casal. O senhor estava levantando, e a senhora ainda estava sentada quando eu pedi, apontando para o senhor do lado dizendo que o mesmo tinha fome precisava comer. A mulher rapidamente levantou quase derrubando a taça e acompanhou o homem que já estava na frente. Fizeram de conta que não entendiam o que eu disse. Fizeram-se de surdos e nos deixaram ali, me deixou ali pois o homem do copo já estava quase na esquina, ele  sabia que as coisas funcionavam assim, eu não. E assim aquela senhora vestida dos pés a cabeça com roupas de grife fugia. Fiquei estática sem poder acreditar,  não iria desistir. Fui ate a outra mesa onde existia um grupo de jovens acreditando que ali iria encontrar um pouco de humanidade. Passei a eles a minha mensagem embora se fizessem de surdos e continuassem no seus blá blá blá. Então vi que daqueles corações empedernidos só sairia desprezo. Sim, o senhor do copo já estava longe e naquele instante eu entendi o que ele quis dizer com: "Ninguém me deu nada" Tive que sentir na pele. Tive que ver para crer como Tomé. Tive que sentir no rosto o soco da indiferença. Foi muito duro para mim, ainda mais que foi nessa semana que ocorreu aquele horrível terremoto na Turquia e estavam todos tão sensíveis tão pesarosos, mas é claro que estavam, no facebook, nas redes sociais e não na realidade com a desgraça aos pés deles ao vivo e a cores. O homem do copo sumiu e eu comecei a descer a rua Passos Manuel, procurava alguém para contar o que ocorreu. Precisava perguntar o que era aquilo que eu tinha acabado de viver


Marcia Mesquita -  Passado a limpo em Abril de 2024

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