A importância de recomeçar
São sete cadernos esparramados. Sete cadernos repletos de anotações que tenho de olhar com atenção para saber qual é o número um, o número dois e assim por diante. Estou tentando encontrar onde comecei a anotar toda essa parafernália para assim poder contar os fatos pois se conseguir fazer isso com exatidão talvez consiga me orgulhar de ter guardado eles e agora ao revisar encontrar a compreensão da minha persistência como uma vitória no final de uma jornada.
Em 2016 fiz um a viagem por 3 meses, foi uma viagem baseada na mentira. Como eu pude ser capaz disso? Sim, eu pude, eu desejei, eu fiz sem escrúpulos nenhum.
Hoje segunda-feira, 05.12.2022, recebi uma mensagem: "Que coisas você se preocupa? Qual é a sua preocupação em se mudar para cá? Preciso de respostas honestas, por favor".
Certo, darei as respostas. Em 2016 eu errei, ou seja, meu erro começou em janeiro de 2014. Embora tenha aprendido a lição. Honestidade, era a palavra chave, era a lição aprendida e a ser posta em pratica. Como responder suas perguntas? O que dizer para alguém que tem sua vida estabelecida, que esta ao lado dos membros de sua família, sua cultura, seu hábito, seu bem estar. Não tenho duvidas em relação a ele, a estar e a ser ao seu lado. Quais são meus sentimentos agora, neste exato momento dentro desse arrumos, essa dispensa, transformada em um quarto, como uma sela, uma prisão tendo somente a porta de entrada, sem janelas, com o ar vindo somente da porta que dá acesso ao corredor passagem de acesso a outros quartos. O que pensar? O que dizer? O que desejar? Dizer que desejo encontrar alguém que me salve dessa tristeza, dessa angústia, dessas lágrimas que não me abandonam há exatamente três anos. Dizem que a esperança é a última que morre? E quando ela morre? O que a substitui? Sinto-me frustrada por estar aqui, sinto ressentimento por me sentir abandonada. Então vou tateando sonhos e descobrindo que a esperança nasce dos sonhos. E assim deitada na cama fecho os olhos e me vejo entrando em seu carro em direção ao deserto de Monjave ou então até a ponte do portão dourado a Golden Gate Bridge onde Hitchoock filmou Vertigo, também conhecida como a ponte dos suicidas. Big Sur e o lugar em que Henry Miller construiu sua casa é o mesmo lugar que Charles Bukowiski sonhava ter a sua. Se conseguiu ou não não sei. Talvez tenha construído seu sonho em um lugar parecido e ali vivido até sua morte. Anne Frank escreveu em seu diário quando estava confinada no anexo que apesar de tudo acreditava na bondade humana. Será que quando foi levada prisioneira para Bergen-Belsen juntamente com sua irmã Margot continuou a acreditar? Kafka já doente em seu leito de morte pediu aos amigos: Queimem tudo que for meu!. Assim como se queima os pertences de um moribundo leproso.
Enquanto vou escrevendo, vou sentindo um liame de renovação por tudo aquilo que aprendi nos livros, aquilo que aprendi deles, esses escritores que acabei de citar e que por nenhum momento enfeitaram suas vidas ou adulteraram os acontecimentos. Tampouco foram copistas, roubando trechos de livros de outros e postando como seus. Isso é crime. (lei 184 do código penal)
Como podemos ter amor a humanidade e ódio pelo ser humano concreto? Frase em forma de pergunta escrita em minha agenda em janeiro de 2020, e acima escrito Lucas capitulo 6. Procurei na Bíblia o por que dessa citação e qual a semelhança. Encontrei o relato de Jesus curando a mão ressequida de um homem e as bem aventuranças, a vingança, e o amor ao próximo. Na mesma agenda encontro a data de de 29.01.2022 o nome do local: Aveiro e os nomes: Fabricio, Raquel e eu. E depois o nome de uma rua: Rua de São Vicente 121, Prelada, onde eu deveria ir conhecer uma magnólia rara. Coisa que nunca fiz, pois acabei esquecendo por completo. Será que a magnólia ainda vive? Raquel vive, esta em sua casa em seu quarto, trocando o dia pela noite, com os olhos fundos e a mesma tristeza de sempre. Fabricio voltou para o Brasil, faz um ano e três mês. Eu estou aqui em um quarto de uma aldeia distante ouvindo Adagio de Bach, sentindo um aperto no coração, coisa tão normal em mim, deixo que fique pois sei que logo irá embora e nascera novamente a paz dentro de mim na forma de um sorriso.
Continuando... Fiz uma anotação da visão que tive naquela manhã: "Novamente vi o pássaro preto com bico amarelo, ele estava aqui na varanda da minha janela, deu alguns pulos e foi embora. No prédio ao lado uma pessoa que de longe parecia um homem passava por duas enormes janelas recolhendo alguma coisa que pareciam roupas jogadas pela casa. Percebi que vestia um roupão preto . Admirei as enormes janelas e o sol que entrava por elas, por momentos desejei ser eu a estar atrás de janelas assim. Um rapaz no metro com fone de ouvido lê Primo Levi. Será que escuta as quatro estações de Vivaldi? Ah, que saudades dos meus livros, tinha todos em casa esparramados pela minha biblioteca particular.
Encontro uma nova folha e uma anotação. O meu dia que ora termina foi de trabalho pela manhã, depois das onze horas voltei para casa, fiz almoço, arroz com legumes, salada com alface americano, cebola, tomate, coloquei dois tipos de frutas kiwi e tangerina. Agora enquanto escrevo percebo que há muito tempo estou comendo a mesma coisa como um maná. Percebo que sem querer fiz um treinamento para dias difíceis, dias de fome. Tinha ingredientes e fiz um bolo de fubá. Minha vida apesar de ser corrida por causa do trabalho é gratificante, pois como diz a música: o pulso ainda pulsa. Sou uma pessoa introspectiva, houve um tempo em que pensei que era autista, até que um dia o Dr. Caramujo receitou uma pílula e eu comecei a falar de forma descontrolada. Embora ainda seja acometida pelo silencio e só escuto o zumbido de uma mosca dentro da minha cabeça. As vezes ouço o silencio me chamando pelo meu nome conhecido em minha infância: Sanã. É a voz de minha mãe perguntando onde estou. Digo que estou no mesmo lugar em que ela me deixou.
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