Virgínia Wolf Revisitada

Esta tudo ali: 

o amor, o isolamento, a paixão, a depressão, o desfazer do ser humano


No mar em uma terça feira de 2020  

O dia está simplesmente lindo depois da soprada de vento que o Senhor dos Exércitos suspirou as oito horas e trinta minutos da manhã. Amado Pai, és tão maravilhoso, uma grande multidão sabe. Vejam por exemplo duas pessoas que parei para conversar. Uma era um homem com seu filho. Eu estava descalça com as pernas das calças arregaçadas para não molhar. Descalça sentindo a quentura da areia nos pés e um frio entre as pernas. De onde vem essa sensação? De dentro para fora. É isso, de dentro para fora. É o transpirar do medo, algo frio que parece cortar meu corpo. O meio dele. Subi na montanha de pedras onde estavam sentadas duas moças e envolta delas gaivotas. Como elas conseguiram tanta proeza, perguntei-me. Cheguei mais perto para ver se elas jogavam algo para elas como chamariz, um pão, um resto de alguma comida, não localizei nada. Foi ai que encontrei a resposta: eram encantadoras de gaivotas. Tem gente que tem o dom assim como Idgie do filme tomates verdes fritos tinha o dom de encantar abelhas. Cheguei mais perto para perceber mais, quem sabe elas me percebiam e me chamariam para participar, talvez dirigissem o olhar para mim e perguntaria: São encantadoras de gaivotas? Resolvi não incomoda-las e segui meu rumo com destino oposto. de longe vi uma moça  com o fone de ouvido olhava o mar, parecia olhar. Ao chegar mais perto percebi que estavam fechados e tinha os dois dedos indicadores no rosto, próximo do nariz e os lábios. Parecia orar  e ao mesmo tempo parecia meditar. Pensei em ir até ela, como curiosa, mas não era isso, eu só desejava fazer uma pergunta. Queria saber como ela consegue meditar com esse barulho do nosso interior. Orar é mais fácil. Como ela consegue olhar o mar, as pedras, as ondas, o voo das gaivotas. Como ela consegue fazer tudo isso sem se perder de êxtase  diante de tanta grandeza. Como ela consegue ficar com esse semblante de cera, como se fosse a pessoa mais tranquila do mundo? Era tanta tranquilidade que assustei. Quase perguntei. Era a segunda pessoa que eu deixava para trás sem nada dizer. Fui em direção ao homem e uma criança, pensei ser um português, mas era um inglês.  Quando disse bom dia e perguntei se poderia perguntar algo , ele disse só falar espanhol e inglês. eu Perguntei se ele entendia o que eu dizia. Ele disse que sim. Então perguntei se ele sabia o quanto a água gelada, a areia e as pedras fazem bem para o corpo. Mostrei a ele as botas que carregava nas mãos e disse a ele que o mal estava nisso. E soltei a pergunta: O senhor sabe porque as crianças não se contaminam com a peste? Por causa daquilo. Então apontei para o menino que descalço pulava nas pedras e corria para a areia e depois para o mar aos gritos de felicidade. O erro começa a acontecer quando nos calçamos quando não sabemos mais por que esquecemos em certos dias de nossas vidas, o quanto é importante esse encontro: terra, vento, pedras, céu e mar. Ele sorridente nada dizia. Chamou o menino e partiram. 


Continuei caminhando procurando respostas. Qual resposta? As respostas  por que tanta doença, não somente essa que nos mata em escala global, mas aquelas adquiridas com o nascimento. Enquanto caminho sem imaginar que daqui uns anos iria sentir saudades desse ano, em que me vi, somente eu Deus e meus botões. O sol de inverno, deliciosamente delicioso ultrapassa minhas roupas aquecendo minha pele, meus ossos atingindo meu coração de felicidade e emoção. Viver esses momentos é quase impossível. Foi isso que eu disse para aquele medico angolano que atendeu-me no hospital em Caldas da Rainha quando minha pressão atingiu a máxima de 23, não lembro a mínima pois sei que se olhasse atingiria a marca do desespero. Lembro disso e lembro do medico, um senhor alto de pele escura, amarronzada, um angolano, sei porque aprendi a distinguir o português e seus sotaques. Quando ele perguntou o por que eu respondi já em prantos: "O sistema atual" chorava não por ter visto o numero 23, mas porque tinha sido tratada como uma intrusa em um ambiente que eu não merecia segundo a recepcionista. Ele me olhou com seriedade e disse que cuidaria de mim. Sim ele entendia, ele compreendia, era um angolano, era um emigrante em uma terra que não era a sua e nunca seria. Sentada na saleta para medicamento pensava: Assim como no Brasil ocorreu uma entrada vertiginosa de médicos cubanos, em Portugal também ocorreu uma diáspora dos países vizinhos de língua portuguesa. Era a mão de obra barata para enriquecer o país assim como enriqueceram com os navegadores que saíram pelo oceano a procura de novas terras. Novas? Uma desculpa, para não usarem a palavra correta: dominar e furtar. Agora é mais sofisticado, não existem mais os navios negreiros, e sim uma nova embalagem, um marketing ilusório escrito em letras garrafais. "Qualidade de vida*. Quando tudo já esta perdido você descobre que essa tal qualidade nem seus próprios cidadãos tem. A única qualidade de vida que encontro é no meu acordar para a natureza quando eu me desnudo para ela, quando tiro a minha mascara e a armadura de ferro.


Que ano é que dia é?
Uma quarta feira do ano 2020
Voltei ao mar, o lindo mar da Foz do Douro. O lindo oceano que os poetas descreveram, com paixão, com doçura e ao mesmo tempo com aspereza, assim como o mar. Sou absorvida ou abduzida por uma claridade diferente entre o branco do céu e o amarelo da terra. É belo, cheio de nuvens brancas como algodão ora se transformando em inúmeros animais e monstros vistos desde a minha infância, imagens que persisto em deixar vivas intactas como um quadro, uma alquimia que tem absorvido minhas premonições ruins quanto ao presente que presencio e a sensação constante de um futuro incerto. Mais adiante as ondas cobrem as rochas, em um vai e vem constante com a mesma fúria que a do general Tito em sitiou e destruiu Jerusalém. Um senhor que cruzou o meu caminho explicou que quando o rio Douro enche em virtude de grandes chuvas e tempestades, traz muitas águas, carregando muito entulho, muito lixo jogado em suas margens. O rio Douro termina aqui, bem perto dos meus pés, onde inicia o mar. O senhor contou sobre sua juventude na Foz até os 15 anos deixou minha imaginação voar através do garoto andando por essas ruas que ainda sobrevivem em sua memoria longe da avalanche de aventureiros e exploradores da gula e do turismo, do vestir, do viajar e do consumo desenfreado. Quantas brincadeiras deve ter participado nesse mar, nesse encontro rio e mar, tantas coisas que talvez eu tenha feito em minha juventude e que estão guardadas no fundo do meu inconsciente. Quantas vezes sentou como agora eu estou nessa areia molhada. Falou também sobre antigamente apontando para as crianças ou miúdos, disse  que antigamente morriam cedo. E hoje? Perguntei a ele. Hoje eles tomam vacinas começando na perninha, disse isso e ergueu a perna para mostrar.  Mas não era isso que eu queria saber. Queria saber porque as pessoas  estão morrendo. Hoje é quarta feira 23 de dezembro e as pessoas se tiverem bons motivos foram autorizadas a saírem de suas tocas e a procurar algum lugar onde houvesse sol, sentar e conversar, e foi isso que muitos fizeram, procuraram um lugar, um café, um bar aqui na praia dos ingleses. O lugar é agradável e as pessoas também, embora não tenha conversado com nenhuma, somente observado. Descobri que sim quando chamei a atendente. Quando ela aproximou-se tive medo que mandasse que eu fosse embora, pois eu só queria escrever, observar e descansar neste lugar. Ela veio e eu disse que não desejava nada e fiz uma pergunta sobre os ferros enfiados na areia do mar que via na minha frente, qual era a finalidade. Ela disse que no verão eles faziam uma esplanada. Então eu disse a ela que ali era um lugar bem agradável, ela sorriu e concordou. Então eu perguntei se lá dentro também era, pois já havia trabalhado em alguns locais que em Portugal chamam restauração, que é a cozinha de um restaurante, e se quiserem saber o que é um inferno se aventurem em um trabalho desse. Ela sorriu e disse que sim. Fiquei pensando, em dúvidas, achando que não posso continuar a ver e a ressuscitar sempre em minha mente o que foi um Chez Lapin, um Bartollo, um Porto café ou um Stress Café, dominados por pessoas carrascas da sua saúde mental, franco atiradores que matam a tranquilidade dos seus companheiros de trabalho, péssimos lideres e uma fonte de stresse ambulante. Talvez exista, e talvez seja este, um lugar saudável onde possamos aprender e fazer coisas com harmonia, tranquilidade, educação e quem sabe, torço para que seja este, visto aparentemente por fora tão organizado, tão cheio de paz, embora do local   onde observo o ambiente estou em contato direto com o mar, o sol, o vento, as rochas, as gaivotas e em alguns dias paira o nevoeiro onde o universo conspira com a paz que tanto almejamos, sendo assim fica um tanto difícil julgar o que vejo e o que não vejo instalado no porão de uma cozinha totalmente mal organizada, visando somente lucro como inúmeras espalhadas por esse Porto afora.











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