VADE MECUM - (Vem comigo)
O vade mecum
custou R$ 108,00
esta em cima da cama
junto com os cobertores
somente coloquei meu nome na primeira página
antes de joga-lo em um canto pensei:
Mais um livro para a destruição
eu lembro
chega um dia em que você lembra
todos lembram
se não achassem melhor esquecer e deixar pra lá
a água amarga
a água aminótica dentro do útero
entrando pelo nariz
pela boca
Só os que estão se afogando recordam
Eu nunca mais esqueci...
Um colher de sopa de
chimichurri
com pimenta
O mesmo tempero
Tão prezado pelo vampiro
de Capim Macio
O famigerado anjo azul
que trocou o sangue por
emoções baratas de
suas vitimas
suas inspirações
Uma pequena porção
E o corpo todo com pintas vermelhas
alergia vampiral
três comprimidos anti-alergicos
três alucinações
Vem comigo....
Norma separou do meu irmão
e agora está morando no antigo
matadouro do Quilometro 21.
Arrumou um outro cara.
Não entendo, justo agora, que envelheceram.
Por que não morrer junto?
Depois de tantos anos de lutas, risos, filhos e brigas.
Agora que meu irmão está velho, o coração fraco.
Quem cuidará dele? Ah, ali vem ela!
- Norma! Norma! Espera preciso falar com você!
- Aqui estou. Meu quarto é lá em cima.
Quatro andares. Consegue subir?
- Acho que sim, vou tentar.
Você sabe depois que descobri uma artrose na coluna,
nunca mais fui a mesma.
- Então venha!
Vou na frente. É um pouco escuro.
O último lance estava completamente as escuras.
Ela tentava apalpar o caminho
ao longo da parede,
quando acendeu um fosforo,
ele estava parado na porta do quartinho.
Entramos e ele fechou a porta.
Podia sentir meus olhos praticamente
soltando para fora das órbitas.
O coração batia com uma incomoda violência...
Bem... Bem... era previsto...
Quem não previu?
Os espancamentos
as bebedeiras
a falta de respeito...
as bebedeiras
a falta de respeito...
Péssimo, péssimo.
Poderia tentar conversar,
prendi a respiração para não
inalar o cheiro úmido do quarto.
Encostei a mão na parede sentindo o cal molhado.
- Vamos voltar - Disse - Você gostaria de voltar?
- Certamente que não!
Se for para me dizer isso
pode guardar suas palavras e ir-se embora!
- Norma, pense em sua linda casa,
suas hortênsias, seu lago, seus tanques
sua criação de trutas.
- Minha criação de trutas?
Não seja estupida! Criação Paulo das trutas.
Você é uma cínica!
- Uma vez você me disse isso.
E eu fui procurar no dicionário para saber o que era isso. Trinta e cinco anos de esposa e mãe não se joga assim da noite para o dia...
Ainda estava terminando quando
ela apontou para a escada.
E como eu hesitasse deu-me um empurrão.
Ainda ouvi aquele homem sorrindo enquanto acendia um cigarro.
Ironicamente com um infinito desprezo.
- Boa noite!
- Nem ao menos me dará um aperto de mão?
Pensei ter ouvido uma resposta,
mas não lembro bem ao certo,
pois nesse momento levantei,
estava com a bexiga cheia do chá de camomila
tomado antes de deitar,
cambaleando com os olhos pesados
fui até o banheiro.
Era somente a primeira fase
de uma série de alucinações
na noite de quinta.
Márcia Mesquita em delirius 24.05.2013 - SP
Comentários