Os mortos contam a sua história

 


              Domingo dia 13 de fevereiro. Olhei para fora da janela, parara de chover e era evidente que o dia ficaria nublado. Havia despertado com uma sensação de peso atrás da cabeça, parecia também estar com o coração oprimido como se estivesse num mundo sombrio vivendo num castelo gótico esfarelando-se. Tudo começou durante a noite quando tive dois sonhos que me deixaram com o corpo gelado, uma sensação de pânico o coração batendo mais forte. Pensei em levantar e anotar em minha agenda, mas o peso do corpo me fez ficar na cama. Uma sensação ruim percorria minhas veias e parecia não ter fim. Levantei assim que o dia nasceu e comecei a pensar no primeiro sonho. Havia sonhado com o filho da minha vizinha um homem viciado em drogas e ex-presidiario. Sempre que ele me vê na rua arruma um jeito de se aproximar e dar algum tipo de cantada. Educadamente tiro o corpo fora me fazendo de desentendida. No sonho ele se aproximou de mim falou alguma coisa que não lembro mais e vi o seu desejo ser transferido para um dos dois companheiros que o acompanham, e esse com um revolver na mão segue em minha direção e foi ai que começou uma angustiante fuga. No segundo sonho, sonhei com minha mãe morta há dez anos. Ela estava no quarto que construiu nos fundos da casa que hoje vivo. Conversávamos alguma coisa ao mesmo tempo em que a minha mente dizia: “Minha mãe esta morta e isso é um sonho”. Um sonho que avançava para a minha adolescência me levando para alguma coisa que eu não sabia o quê. Depois quando levantei, segui meus afazeres movida a angústia. Mais que depressa corri a procura de um chá e estourei minha cartela de remédios, eles iriam me ajudar. Mas desta vez foi tudo inútil. A coisa continuava comigo. 
           Era como se a minha vida estivesse parada. E que vida era essa que eu vivia?  Se é isso que chamam de tristeza profunda, de onde ela vem? E por que vem? Senti vontade de chorar. Não suportando mais, meus olhos encheram-se de lágrimas e abaixando a cabeça disse a mim mesma: “Por que eu não posso sentir escrever e suportar?”. No céu as nuvens pareciam ter muita pressa e foi na rodovia Raposo Tavares que tudo ficou cinza da cor do asfalto. Era como se aquela estrada quisesse me dizer alguma coisa, mostrando a dor horrivelmente brutal a que foi submetido alguém. Encostei a cabeça no vidro do ônibus enquanto sentia meu corpo se juntando em dois e eu perguntando: quando isso iria acabar? Teria que parar de pensar nisso, porque logo mais estaria indo para Vargem Grande Paulista.
          Cheguei cedo. O ritmo do meu passo era medido, contado e pesado. Diante de mim uma contínua procissão de homens e mulheres. Estava ali de pé, olhando isso sem nenhuma alegria quando decidi ir lá fora olhar o parque, as árvores as flores, deitar na grama. Talvez isso ajudasse. E foi o que fiz. Deitei na grama com receio de que alguém viesse e dissesse que era proibido ficar ali. Ninguém veio e eu fiquei longo tempo esparramada, esperando algo, alguma coisa que tirasse a angústia, o bolo que parou dentro do meu corpo no meio do meu peito.
          Duas palavras pairavam acima de mim: impossível, terrível... Agora eu estou aqui viva e respirando e você está debaixo da terra. A morte ainda não despiu os seus ossos e o seu sangue está molhando a grama. Faço uma pausa para que venha a resposta. Escuto um silêncio quebrado somente pela minha respiração. E quase no mesmo instante repeti as palavras lidas no livro sagrado: “Da terra o sangue do seu irmão esta gritando por mim, pedindo vingança”.
          Foi na manhã seguinte que a coisa revelou-se. “Vanessa Duarte, 25 anos foi achada morta com sinal de violência sexual em Vargem Grande Paulista. Segundo a polícia o assassino deve ser conhecido da vítima...”
Mlailin




Comentários

Toninho disse…
Como ja comentei vim conhecer seu cantinho e lhe parabenizar.Vou seguindo. Meu abraço de paz.
marcia mesquita disse…
Que bom que gostou e voltará. A porta está só enconstada. Abra, e enquanto espera escuta a música ou toque uma sua...

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