morte e vida Severina

Memórias de Severina (Escrito conforme narrado)

Faz 34 anos que minha mãe morreu e parece que foi ontem. Casamento é só uma vez, ela dizia. Ai um dia eu enviuvei e o pessoal falava assim: Severina arruma alguém. Fiquei viúva gravida da Bethânia. Mamãe sempre falava casamento é só uma vez. A mulher que tem filho deve pensar mil vezes antes de colocar alguém dentro da sua casa.. Na minha época se não casava na igreja não era casada. Casar no civil era o mesmo que ser amigada. Meu sonho era morar em São Paulo. Eu nunca respondi minha mãe, do jeito que eu fui criada eu criei meus filhos. A gente respeita os filhos para que eles respeitem a gente. Mamãe morreu do coração. Sim, a minha mãe teve um infarto na sexta, no domingo ela morreu.... Meu Deus e agora? Me deu uma depressão tão grande! Eu fiquei somente o couro e o osso. Só pensando e chorando. Quando foi? Já fazia um mês para dois mês. Eu não comia. Pelejava e não descia. Eu me lembro como hoje. Era meio dia eu estava deitada olhando para o teto, era fraqueza. Foi quando eu vi ela entrar e falou assim: "Minha filha levanta a cabeça, seus filhos precisam de você. Olha minha filha eu estou toda molhada, não chora mais". Então a minha vizinha entrou e eu disse: Não vou chorar mais pela minha mãe. Ai me levantei e criei meus filhos sozinha. Mas eu queria vir para São Paulo. Tinha uma mulher que eu lavava e passava. Nós eramos comadres de fogueira. Ai ela disse. Comadre tu tem vontade de ir para São Paulo? Sim, eu tenho mas não tenho dinheiro para pagar minha passagem e dos meus quatro filhos. Pode deixar comigo, ela disse. E assim eu vim. Em todo canto mora o bom e o ruim Meu filho mais velho mataram.Ele trouxe esse homem aqui em casa. Quando eu olhei para ele, esse povo que não olha na cara, não vi seus olhos. Meu filho era pedreiro.Ele foi morto dentro do alojamento. Esse cara matou ele. Olha eu não desejo isso para ninguém. Aquilo juntou tudo e deu o primeiro infarto. É difícil eu dormir a noite toda. Se a senhora olhar a tulha de remédios que eu carrego. Remédios para depressão... remédios para cabeça.... remédios para dormir. Quando eu morrer eu vou demorar para apodrecer. Quem toma muitos remédios não apodrece logo. Eu ainda trabalho. Limpo casas, lavo banheiro, lavo a sanita todo dia. Ai quando eu chego em casa, misericórdia, meu filho só falta bater em mim: "O que a senhora tinha que fazer já fez" .

Serena, com uma paz desconhecida,
aceito, sem revolta, a humana sorte:
viver, da Vida, esta pequena vida,
morrer, da Morte, esta pequena morte.
Fernanda de Castro



Márcia Lailin Mesquita - sem data, sem mês e sem ano


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