Ensaio sobre a cegueira



Sobre a cronica de ontem (ensaio sobre a cegueira)



Não foram três cegas que conheci nesta semana que passou
Foram quatro
Esqueci da quarta, a que ocasionou uma historia face a face, olho quase no olho
lembrei dela ontem a noite quando na cama sonolenta comecei a fazer um retrospecto do dia que passou
O trem parou na estação Santa Cecília e uma mulher cega entrou acompanhada do funcionário do metro
Não sentou no banco dedicado a ela ficou em pé na minha frente
Não usava óculos e tinha os cabelos um pouco cacheados em corte reto a altura do pescoço um pouco mais curto atrás
Olhei para ela e observando seu porte físico, percebi que tinha um belo corpo, uma cintura fina e quadril largo. Alta, bonita. Foi quando comecei a olhar para seu vestido. Era branco e tinha uma estampa estranha, pareciam estar do lado de dentro. comecei a analisar e percebi que a barra não estava do lado avesso e sim do lado direito. E não é que a mulher colocou o vestido do lado avesso. Levantei para ter certeza e vi que a etiqueta estava do lado de fora, cheguei próximo e disse a ela o fato. Ela sorriu e disse não ser a primeira vez. Perguntou que horas eram. Sei agora que eram 11:25, pois perguntei ao homem sentado próximo. Disse que iria viajar, pegar o ónibus as 12hs mas que daria tempo. Precisava de ir no banheiro.
E assim quando chegamos na Barra Funda levei ela ate a cabina onde ficam os seguranças que a poderiam ajudar levando-a até o banheiro e como ele estava atendendo outra pessoa conversei com ela e mostrei com o dedo onde ficava o banheiro. Ela disse ser cega, foi ai que lembrei que era.
Não parecia ser, mesmo que eu a carregasse pelo braço apertando-a com minha mão em passos trôpegos pela escada rolante temendo que o seu pé ficasse enroscado nela foi ai que ela foi dizendo que ia para Bauru que era professora e eu pensando professora do quê e não perguntei para não ser impertinente coisa que sempre sou e pensei como seria uma sala cheia de alunas jovens e sorridentes diante de uma cega .... Acho que sorri

Márcia Mesquita - Abril/2016


Conversa cruzada
- Oi, Você esta ai? Preciso falar
Boa tarde, eu não quero viver de ilusão
- Boa tarde. Olha minha realidade hoje foi o hospital. Quando entenderes falar sem este tipo de comentários estarei disponível. Para esta conversa de dúvidas constante e pretensa ilusão não estou. Pensa bem no que fala. Se eu fizesse o mesmo questionando tudo, de tudo duvidando como te sentirias?
- Me sentiria muito mal e é assim que eu me sinto. Você tem suas dores e eu a minha. Você foi em um clinico que diagnosticou seu mal e irá te operar. Irá? A minha quem irá invisivelmente operar?
- Eu não sei mais o que dizer? Diz o que queres mais?
- Nada. Ficarei bem
- Ficas mesmo? Tu desapareces durante horas. Reages de forma intempestivas chamas fé de palhaçadas. Já não sei....
- Estive no centro fui assistir uma palestra sobre ADIN
- Quem é ADIN?
- Depois voltei, almocei, e comecei a ler um livro sobre Ernest Hemingway....Lembro que parei na espingarda Ketchum, 1961, a idade de 61 anos...Foi ai que cochilei, coisa de cinco minutos... sonhei e acordei angustiada. Dizendo: Não, Ernest entendeu tudo errado, o homem tem que aprender a salvar o que puder. Só isso. ADIN é ação de inconstitucionalidade. Eu quero entrar com uma ADIN contra aquelas placas que dizem : É proibido pisar na grama
- Queres entrar? Mas essa proibição é como não poder nadar não pode pescar... Não sei como serás bem sucedida. Não sei como serás bem sucedida....
- Também não sei. Me tornei muito Manoel de Barros, mais bicho que gente.
- Eu amo Manoel de Barros. E te entendo. Mas para isso tens de ir para o campo....
- Sim preciso salvar o que puder
Não ha mais conversas a serem exibidas....

Márcia Mesquita


Reflexões numa manhã de segunda....

Irá chegar um tempo em que viveremos na saudade. Saudade disso. Saudade daquilo.
O STF decidiu que a MS (medida de segurança)  não pode ultrapassar o limite de 30 anos, pois senão se traduziria numa prisão perpetua, afrontando o texto constitucional do artigo 5 XLVII, alínea b.
MS é uma sentença de natureza absolutória impropria (absolve mas impõe uma sanção)
Um colchão com uma enorme mancha esta jogado na calçada, logo mais com a tempestade ficará atravessado na rua ou preso em um bueiro impedindo a entrada da enxurrada em todas as bocas de lobo.
Estou tonta, sonolenta, uma mistura de desanimo, apatia, tédio, que se resume em um único sentimento: desgosto. Desgosto de mim, desgosto do outro, desgosto da vida. Quantos mais assim como eu aqui e agora estão? Essa jovem em pé com o vestido até as canelas? Este senhor sentado do meu lado com as mãos no rosto e a outra no colo? Sim, todos! É uma transferência. Uma canalização para o mesmo esgoto. Talvez o que eu tenha de fazer agora é parar de ouvir essa música triste. É o segundo trem que espero passar. Tirei um pedaço da manhã para vê-los passarem e sentir por mais um tempo a energia das pessoas que passam por mim. O senhor se foi e deu lugar a um jovem de camisa xadrez. Usa um perfume que enjoa. Já tinha ouvido falar de senhoras que enjoam com o cheiro de perfume, nunca pensei que um dia eu estaria nessa lista. Uma jovem bem rechonchuda esta na minha frente digitando em seu celular, é como se estivesse dentro dele e nem percebe. Aquele homem que esta ali parado eu conheço ele. É o Ananias. Vontade que tenho de ir até e pedir: Por favor me ajude, estou dormindo como muitos estão e logo mais entrarei em surto assim como Ana B. Consegui entrar no trem de numero 4. Entrei assim em câmara lenta. Vou dar um basta nisso e colocar o óculos de grau abrir a bolsa pegar as anotações e seguir os olhos na leitura sobre extinção de punibilidade. O tema fica martelando em minha mente enquanto fecho os olhos e coloco a cabeça para trás encostando a cabeça no banco e o tema  em minha mente: Extinção de punibilidade, extinção de punibilidade. Quando se extinguirá a nossa?

Márcia Mesquita - 2016 - Carapicuíba/SP






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