Visto de noiva - parte VI - Os pássaros estão realmente livres das correntes do céu?
- Tu é livre (assim penso). Eu também. Nada impede de deixar acontecer o que gostaríamos que de bom acontecesse em nossas vidas. E se estamos aqui, se estou aqui na madrugada durante horas conversando é porque você é importante para mim. É porque gosto de você. É porque minha pele toca na sua... e isso basta. Quando penso em ti. Não penso em sua cidade, em sua casa, aquela curiosidade feminina de consumo. Penso em ti aqui caminhando comigo, olhando, vivendo as coisas que vivo todos os dias.
- Isso é muito verdade
- “Os pássaros estão realmente livres das correntes do céu?” perguntou Bob Dylan em 1962. Mas, além dessa questão, como um mero mortal nesta cachoeira flutuando no espaço, sim, sou livre todos os dias, exceto nas responsabilidades que escolhi para com meus filhos. E quaisquer que sejam as limitações emocionais que ainda carrego. Mas o resto do meu espírito e intenções são livres. Sim, podemos escolher criar tudo o que desejarmos e concordarmos. Ainda há muito para ver e explorar. Já é ricamente gratificante todos os dias. E sinto que estou aí com você, porque estou aí.
- Então me ajude a não ter medo
- Eu não diria para você não ter medo. O medo é um instinto primário de sobrevivência, tanto físico quanto emocional. Mas eu te abraçaria e te ouviria. Se eu tivesse algo sólido para oferecer, eu o faria. O medo não deve ser negado; ocasionalmente pode ser atenuado por mais informações ou intenções. Saiba que irei desacelerar no ritmo que mais lhe convier. Pretendo ganhar sua confiança. Permanecer conectado é minha intenção. Os próximos passos são muito distantes para nos preocuparmos agora.
- Somos nós. Mas não estamos sós. Tento todos os dias ter uma imagem desses que caminham comigo. Tu esta me ajudando muito a viver este momento ruim. Quando digo ruim não é somente dentro de mim é fora devido ao covid-19, estou aqui e não posso fazer muito por mim e muito menos pela minha família, era esse meu objetivo quando vim para cá. Já pensei mil vezes em voltar. O salário mínimo aqui é baixíssimo e agora com o covid a exploração. Tento perseverar pois gostava de poder trazer minha neta para cá. Ela é muito estudiosa, uma autodidata. Desenhista nata. Prefere ficar em casa estudando do que sair com amigos da escola. Não gostava de voltar e dizer: não consegui! Minha tristeza não é depressão. É tristeza! Não faz um mês ela perdeu o pai em um grave acidente na estrada
- Oh não! Sinto muito. Isso é tão lamentável! Isso é algo que levará tempo e amor para se ajustar.
- Sim
- Sou alguém que foi treinado no infeliz hábito masculino de reprimir minhas emoções. Na América, quando eu era criança, era considerado pouco masculino chorar ou ficar chateado de alguma forma. Os meninos eram humilhados quando expressavam seus sentimentos ou tristezas e eram chamados de “maricas”. Aprendi lentamente (ao longo de décadas) a permitir-me as minhas emoções, embora ainda o faça através de um estoicismo muito escandinavo (a minha herança é principalmente dinamarquesa e norueguesa). Assim, meu cérebro intelectual controla minhas reações, meu cérebro emocional é forçado a esperar pela reflexão e análise antes de poder se expressar. Assistir àquela luta interna sempre me lembra a 3ª Sinfonia de Brahms, onde você pode sentir a paixão contida surgindo e lutando pela liberação. Pode ser muito intenso ouvi-lo quando me sinto vulnerável. Eu também tenho. alguma ascendência irlandesa e inglesa. Gosto de dizer às pessoas que sou descendente dos Vikings. LOL
- Muito melhor do que descender de grupos extremistas. Bela foto essa de você sua mãe e seus irmãos
- Eu entendi quem eu era na época em que esta foto foi tirada. Eu sabia que o mundo e a sociedade (americana) estavam destruídos, sabia que não podia confiar nos outros para me proteger e sabia que teria que encontrar maneiras de fazer tudo sozinho. Mas eu também sabia que tinha uma aliada, minha irmã na extrema direita da foto, que me amava e me protegia. Ela lutou contra uma multidão de crianças que me cercaram e zombaram de mim, dizendo que eu era louco quando caí no chão em convulsões devido ao nível baixo de açúcar no sangue. Ela desafiou fisicamente meu pai quando ele me batia sem motivo algum. Ela era minha melhor amiga até falecer em 2012. Mas eu ainda tinha esperança mesmo nesta foto. Eu só sabia que não seria fácil, principalmente porque não esperava viver até os 21 anos.
- Melhorou? Quer um café, chá...
- Sim, eu melhorei. Seu espírito me revive. Estou tomando café neste momento, posso servir uma xícara para você?
- Sim, você já sabe como eu quero. Acompanhada!
- Sabia que desde o início você quer provar a vida profundamente
- Sim, pena que o sistema não presta
- Eu entendo, mas ainda acredito que cabe a nós agregar valor gradativamente a este mundo. Se formos capazes e não contribuirmos, o progresso da humanidade desacelera ainda mais. Não estou delirando, sei que minha contribuição não será no nível de pessoas históricas raras, mas ainda assim é importante.
- Podemos estar perto fazendo coisas que gostamos
- Descanse, estamos por perto. Deixo-vos com uma última história, que pode demonstrar porque é que as pessoas têm dificuldade em lidar comigo. Minha autoeducação foi excessiva. Quando me matriculei na faculdade (o que só fiz porque minha namorada havia prometido à mãe que iria frequentar a faculdade, então me matriculei em uma faculdade próxima), decidi me formar em Literatura Ocidental. Claro que fui um idiota, esta pequena faculdade numa comunidade agrícola não tinha isso disponível. Fiquei com raiva, então fui à biblioteca, copiei uma lista dos ganhadores do Prêmio Nobel de literatura, depois olhei as listas de livros que cada um havia escrito e contei os volumes. Steinbeck havia escrito 30 romances, então agendei-os para setembro, que tinha 30 dias. Faulkner havia escrito 31, então marquei-o para outubro. Outros tinham menos, então combinei-os em meses (Hemingway 7, Fitzgerald 4, Kafka, Camus 4, etc. Agendei-os para qualquer mês. Depois li um por dia até o final do ano letivo. Não assisti às aulas, exceto nos dias de prova passei (mal) nas provas sem ler as matérias fiquei maluco, foi um ano bom.
- Adoro isso, essa coisa de ler sem parar. Meu melhor trabalho foi ler para um homem que estava ficando cego. Foi o homem mais inteligente que conheci na minha vida. O primeiro, o segundo é você.
- Que experiência maravilhosa para você. Você deve compartilhar detalhes dessa experiência mais tarde. Sinto-me honrado por ser considerado para sua lista. Espero poder viver de acordo com essa percepção. Estou com vergonha de ouvir isso.
- Fica não vocês são dois queridos. Esse homem foi professor Miguel Costa Júnior foi filho de um general famoso no Brasil, da revolução de 1932, aprendi muita coisa com ele principalmente amar a vida. Ele era como você. Casou 4 vezes. Foi viúvo 4 vezes. Mas queria casar pela 5 vez. Dizia ele, que não conseguia ficar sem mulher. Achei estranho porque pela idade devia ser impotente. Depois pensei que devia ser cuidadoso. Ele me pediu casamento. Mas tive medo de morrer também como as outras, estou brincando, eu não tive medo, o problema foi que ele disse que eu herdaria sua aposentadoria, e isso me chocou, hoje percebo que fui uma idiota, mas eu gostava tanto dele, que sabia que por dinheiro eu iria desejar que ele morresse, e eu não queria deixar que a ganância e o egoísmo tomasse conta do meu coração e sim o amor.
- Interessante, quero ouvir mais sobre ele
- Muito. Ele era muito inteligente e sabia muito sobre a historia humana, mas minha grande surpresa foi entender como ele pensava e agia no que se referia ao lado emocional a viver todos os dias, apesar do passado, presente e futuro que tanto nos atormenta. Eu ligava para ele todas as manhãs para saber se devia ir e perguntava a ele as 7 horas da manhã como ele estava e ele respondia: MARAVILHOSAMENTE bem. É assim mesmo em letras gafarrais e pausadamente, como se não desejasse que essa palavra não acabasse mais. Isso me irritava pois ficava pensando como alguém pode aos 85 estar feliz neste mundo de merda? Mas ele estava a tentar passar para mim uma forma de suportar o insuportável, e depois de um tempo isso funcionou como o ditado: água mole em pedra dura dura tanto bate até que fura e foi isso que aconteceu comigo. Esse é um dos momentos uma voz que carrego comigo mais de 20 anos depois. Vou dormir um pouco, se acordar volto mais tarde.
- Perceber que a Sabedoria é um momento muito libertador. Liberta-nos da necessidade de julgar e reagir, permite-nos excluir as partes da realidade que não podemos mudar e permite-nos focar nas coisas que podemos mudar. A sabedoria nos dá serenidade. Você deve acordar, você não pode me deixar aqui sozinho.
- Sim, não vou te deixar só. Amo acordar cedo e dormir cedo. Vivo mais e descanso o corpo. Gosto de dormir as 22hs ou 23hs. Mas acordo durante a madrugada. As vezes perco o sono pego o Telefone e as horas passam. Não ligo se tenho insônia, pois durmo muito. Amo dormir pois meu corpo recupera energia gasta.
- O sono é bom, física e emocionalmente. Mas você sabe disso. Você é mais inteligente do que eu, parece. Quero dizer isso sinceramente. Talvez, talvez não. Não é um concurso. Você é mais inteligente do que a maioria das pessoas. Você sabe disso. Você sabe como se divertir? Estou tentando reaprender isso desde a minha juventude. Tenho sido muito sério por muito tempo, eu acho.
- Apenas uma observação: o livro “A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera é muito melhor que o filme. Sua escrita contém delícias que o filme não capturou. Mais tarde...
- De acordo. Vou reler novamente Milan. Estou quase chegando ao trabalho.
- Esta lindo o dia. Que bom que você está usando uma máscara, sorria, estou com você
- Estou usando máscara contra a minha vontade.
- Ainda estou feliz que você esteja. Estou duplamente vacinado e ainda uso 2. Tenho amigos vivos que valorizei muito e que não tomaram precauções, viajaram sem necessidade. E morreu uma morte horrível. Não estou pregando, mas não quero perder meu melhor amigo (você).
- Estou em casa livre para te ouvir. E tu?
- Estou sentado na minha cadeira favorita, lendo e-mails, Instagram e Facebook. Tomei 3 xícaras grandes de café e acabei de servir a quarta
- Não pode conversar?
- Estou livre, sozinho, tenho o dia inteiro livre (embora tenha que escrever um artigo em algum momento) Está ensolarado e quente aqui, um belo dia
- Sobre o que irá escrever?
- Há um grupo de fotógrafos ao qual pertenço e mora em Milão, Itália. Eles também são uma editora. No passado, eles publicaram edições de suas revistas apresentando fotógrafos que escreviam sobre por que fotografavam certas coisas. Eles fizeram questões sobre África, Índia, América do Sul, etc. A próxima é sobre “América”. Pediram-me para escrever um artigo sobre meu documentário fotográfico em 3D de 44 anos.
- Não poderei opinar. Não sei nada sobre fotografia
- O artigo não é sobre tecnologia ou técnica, é sobre o elemento humano, porque escolhi o tema, o que me motiva a fazer o trabalho. Seria como ler um artigo sobre por que um músico escreve música ou por que um artista faz uma pintura ou escultura. Sou contrário ao tema da fotografia. Muitos fotógrafos se ressentem do fato de que agora qualquer pessoa pode tirar uma foto tecnicamente boa com seu telefone. Acho realmente maravilhoso que isso seja verdade, porque democratizou a fotografia. Um bom senso de composição ou interesse em um tópico pode ser bem captado pela maioria dos telefones. Assim, como meio de comunicação, todos agora são capazes de usá-lo de uma forma que ninguém poderia fazer sem treinamento antes.
- Verdade. E todos viraram profissionais, ainda bem. Deixaram de querer ser escritor. Eu gosto de fotografar para não esquecer o que vivi, recordar e escrever sobre aquele momento. É um hobby?
- Não, é o meu legado artístico. Os museus me aconselharam que vale uma fortuna e deveria ser preservado como um tesouro histórico. É um projeto muito conhecido aqui em Los Angeles.
- Por que assim? Não posso ver!
- Você já viu um filme em 3D?
- Sim!
- Para ver o olho 3D, o olho precisa receber uma imagem diferente, tirada a 2,5 polegadas de distância. Essa é a distância média entre os olhos de um ser humano.
- Portanto, a imagem no lado esquerdo é um pouco diferente da que está no lado direito. Seu cérebro funde as imagens, assim como acontece quando você observa atividades regulares. É chamado de visão binocular. Artisticamente, este é o trabalho da minha vida. Eu mostro aproximadamente 150 imagens organizadas sequencialmente para que as pessoas possam começar a visualizar de qualquer extremidade e viajar pela história à medida que avançam. Quando comecei, ninguém se intimidava em posar para mim, eles viam isso apenas como um projeto maluco que eu estava fazendo. 40 anos depois, quem me conhece já viu o projeto. Então agora eles estão intimidados porque sabem que isso será preservado como parte da história. A abordagem que adoto não os direciona de forma alguma. Todo mundo que posa para mim viu amostras do projeto. Todos sabem que não vou dizer em que quarto sentar, como se vestir ou o que incluir na imagem. Eles sabem que o que farei é iluminar a sala e capturar tudo o que eles me apresentarem. Isso porque acredito que não se pode chamar de documentário se o fotógrafo encenou a foto. Muita verdade é revelada pelo que eles possuem, como se sentam, etc. Nossas casas revelam muito sobre nós. Uma TV grande, mas sem livros? Tudo perfeitamente organizado ou caos aleatório? Paleta de cores? Modernista ou antigo? Está tudo nas fotos.
- Independente de uma casa bem arrumada ou bagunçada os seres humanos são assustadores. Achei interessante. Espero um dia poder ver de perto.
- Obrigada, você merece estar na luz, quero te ver, você é linda!
- São seus olhos
- Você vai. Estou trabalhando para preservá-lo em forma de livro, é um grande empreendimento, mas tenho uma equipe de editores, escritores, designers etc. todos esperando para começar a ajudar, e conceder propostas aguardando decisões para que eu possa começar. E talvez quando você estiver em turnê pelo Kansas você possa fazer uma pausa para vê-lo.
- Nossa Kansas! Estou tanto familiarizada com a solidão do Kansas. Fui para lá pelos livros e filmes. Minha última viagem foi com Truman Capote a sangue frio.
- Entendi seu desejo de conhecer Arizona, Utah, Chicago etc. Kansas é um estado rural muito plano, como visto nos filmes. É politicamente conservador, tem uma grande cidade, na sua fronteira oriental. Estranhamente, Kansas City não fica principalmente no Kansas, mas principalmente no estado vizinho de Missouri. Mas não há muito para ver lá além de intermináveis campos de trigo e fazendas de gado. É muito parecido com Nebraska, que é só fazendas de gado. E infelizmente cheira a fazenda de gado. É preciso dirigir com as janelas abertas, haha.
- É por isso que gosto. Preciso sentir o que os personagens sentiram retratado pela escrita do autor
- Esse sentimento ainda existe, também no Colorado, que é o estado adjacente. Mas no Colorado começam as colinas, levando às Montanhas Rochosas. Dever é chamada de cidade com um quilômetro de altura porque está a uma altitude de mais de 5.000 pés. Ainda não estou trabalhando no projeto 3D, estou inconscientemente concertando minha abordagem. Este artigo terá uma percepção mais pessoal, menos história de terceira pessoa. Portanto, deve ser fácil de escrever.
- Minha neta tem 14 anos.
Comentários