Acima de tudo, não perca seu desejo de prosseguir.
Fotógrafo os locais por onde ando, fotografo as pessoas, as arvores os pássaros. Tenho medo que desapareça esses momentos de minha memoria.
A minha vida se insinua de tal forma ela é tão estrutural que eu tenho que fazer com que os outros me digam que a minha vida é uma vida que vale a pena ser vivida através da observação de outros. Um narciso isolado sem dever mais a ninguém. Ninguém. Ninguém mais diz a verdade. Todos dizem o que está no script.
Estou no auto carro no pior ano de nossas vidas. Foi quando na paragem travessa da fonte velha em Santa Cruz do Bispo, entrou um casal. Uma das velhotas sentada na minha frente cutucou a outra e disse: :É o filho do senhor Miguel Almeida, um homem feio que doí, nunca conseguiu arrumar uma mulher devido a sua feiura. Mas finalmente dois anos atrás ele conseguiu arrumar uma mulher tão feia quanto ele. As máscaras ficam bem neles". - Finalizou enquanto sua companheira virava o rosto para observar o casal que seguia de máscaras e de mãos dadas apesar das luvas.
As duas senhoras continuavam a conversar animadamente contrastando com as pessoas solitárias de semblante sombrio e triste nos bancos traseiros. Falavam alto dava para ouvir no ultimo banco onde eu estava a observar todos. A mais idosa dizia: "Ate junho ou julho isso tudo acaba" a outra perguntou: "De que ano?" Ao que a mais idosa respondeu: "Verdade. Mas o que fazer se essa malta não cumpre as orientações. Veja esse auto carro. Todos bem vestidos e indo passear com suas roupas de missa e sem máscaras e luvas como se fossem pela última vez!"
Era sexta-feira, mês de maio, no ano da peste as nove horas da manhã. Foi na paragem Padrão da légua que uma mãe com seu filho na faixa dos oito anos deu com a mão sinal para o auto carro 508 com destino ao Cabo do Mundo, onde eu estava sentada no ultimo banco do lado da janela. Seguiam junto com outros dois que animadamente conversavam sobre o covid-19. O autocarro partiu e eles sentaram uns próximos aos outros não seguindo as orientações da ministra da saúde Maria Temido que fez uma metragem de distanciamento. Foi quando o menino cutucou o braço da mãe e disse: "Veja mamãe, eles estão nus" A mãe olhou para trás e disse: "Não Dinis, eles estão de máscaras e luvas"
Depois de tudo isso caminhei de volta para casa passando por poucas pessoas cabisbaixas que se dirigiam ao mercado e outras que fugiam quando percebiam que podiam passar perto de mim. Eu com minha calça surrada e minha camiseta doada, no pescoço meu cachecol de mil novecentos e nada. Pensava: Para que o vestido? Para onde ir? Não me sinto bem. Estou doente. Estou contaminada como todos pelo medo vivendo o aqui e o agora. Já não trocaria o pão nosso de cada dia por um belo vestido como tantas vezes fiz. E para que o pão? Para morrer pesada e gorda!
Preciso despertar. O medo é uma base de controle. Coragem/Imprudência. Prudência/covardia. Covardes duram mais. Galileu morreu na velhice. Giordano Bruno bateu o pé e foi queimado. O pianista negociou para permanecer vivo. Se cuidou para chegar ao fim da guerra e conseguiu. Toda escolha implica perda. A melhor coisa para controlar uma pessoa é o medo.
Para procurar o melhor não preciso procurar muito longe. Ninguém precisa. Esta em volta de nós o tempo todo, a grandeza, a abundância, a maravilha de viver.
O padre Rubens da Igreja Nossa Senhora da Conceição no Marques, no Porto lidera uma das set instituições da cidade que se mantêm em atividades nos dias do tsunami viral "mais do que duplicou" diz o compadecido padre que todos os dias põe uma máscara branca para ajudar os seus voluntários que se dividem em duas equipes de 30 pessoas, cada uma para servir comida em take way. É das 8 as 20 horas. Tem dias que a fila dos carentes chega quase fora do portão. Até fevereiro serviu 160 refeições por dia, agora são 399, de 12 de março a 12 de abril contam-se 9.957 refeições doadas. "Vejo um regresso da pobreza envergonhada, vejo a classe média em erosão. E vejo gente nova há nitidamente mães jovens que nunca víamos aqui, jovens que trabalhavam no turismo, nas esplanadas, nas limpezas, na restauração, eles aparecem aqui pela primeira vez para pedir para comer. É isso é novo, e é muito preocupante". Finaliza o padre
Eu não sou aquele mulher que levanta todos os dias quando o telemóvel desperta as 07:00 horas da manhã e segue para aquele lugar horrível de nome restauração que eu não recomendo para meu pior inimigo. Sete horas ele desperta e não é como os relógios comuns que temos vontade de jogar pela janela. Este já não pode ser quebrado.
Comentários