Mundo submerso - Luís Martins


Gosto de comprar livros nos sebos
Livros vendidos, desfeitos
transferidos de suas bibliotecas
de seus lares
para sabe-se lá Deus para onde
Fico naquele momento literalmente pendurada nas estantes
Passando pela auto ajuda - o primeiro corredor
leio um por um, como toda viciada que se preze
Penso: Quantos livros inúteis
De uma época otimista e esperançosa em curar a sociedade humana
Desaguo na filosofia e olho, olho e olho em total crise de saturação
Pergunto: Onde estão os contos?
Mandam-me subir um andar
Enquanto subo pergunto aos meus botões onde esta o jovem e o seu violino? Foi mandado embora? Mas como? Com que ordem?
No primeiro andar encontro muito autor brasileiro
Alguns até mesmo morando aqui no facebook.
Na indecisão de minha mãe mandou eu escolher este daqui, levo um a esmo e foi o mais acertado
No trem surpresa com o que encontrei, programava .


em casa procurar no google para transcrever aqui,
No famigerado google só encontrei partes do texto
Ninguém teve coragem de digita-lo até o fim. Sobrou para mim amante da língua de Camões .
E preguiça nenhuma.


MUNDO SUBMERSO – Luís Martins
Se algum dia eu tiver que me contar, dificilmente escreverei memorias. Minha historia é simples, e para mim – tão somente para mim naturalmente – muito mais conto de fadas que noticias de jornal, de antemão preparada para necrológio futuro. A voz da biografia é débil e inexpressiva, apenas sabe relatar, boiando na aparência dos gestos e na superfície dos símbolos. 

A técnica biográfica é atividade diurna, não penetra o mistério da noite, emaranhado em lembranças, complexos e saudades.
Nesta tarde, de um azul que eu não mereço olho ansiosamente na parede a mancha do meu perfil. No lago da memoria se reflete a sombra pensativa de paisagens submersas. Habitei esse mundo. Por isso ainda conservo nos olhos, nos ouvidos, o lodo desse morto silencio. Antigamente, não era lodo, era chão de barro. Tenho velhos compromissos, como esse solo barrento, onde havia uma velha casa cheia de rumores festivos. Olho-me ao longe e mal me reconheço à criança morena e pálida que se comovia com o canto dos pássaros. Concentro-me e ouço qualquer coisa que me parece musica, mas vem de tão longe! De fato, um disco roído rola na vitrola, rola, musica sem sons, canção sem ruídos, que no chão de silencio se desmancha, mancha de branco sobre branco, ausência sobre ausência. Lodo de tantos anos, nos olhos, nos ouvidos. Morreu a casa. A voz morreu. Somente o lodo resiste ao tempo e ao ouvido.
Não, nada disso pertence a biografia. Esta é registro de datas e acontecimentos: Nasci em tal ano, estudei em tal colégio, tive sarampo, tosse comprida, caxumba. Mas como mutilar um homem, separando-o de seus fantasmas? Acaso estaria eu completo arrancado aquele mundo submerso? Decididamente, renuncio aos cartazes de livraria e aos clichês do noticiário: não escreverei memórias. 
Se algum dia tiver que me contar, farei talvez, se sobrar o tempo, um poema – poema é só poema e não poesia. Poema se faz com papel, tinta e suor – poesia é estado de graça, sonambulismo e transfiguração. O melhor, porém, é não escrever nada, nem versos nem memorias, nem epopeia, nem biografia. O que há de mais importante e secreto em nós é incomunicável e intransferível. O homem não é mais que sua vida – porém muito menos que seus sonhos.

Luís Martins – São Paulo 1957




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