Minha vida de Emigrante




Quando tu olha vê o que?   Seria interessante ouvir que vês o mesmo que eu, assim como Deus. Um homem vindo em minha direção, de camisa xadrez, jaqueta preta, tem um andar duro, não olha para os lados, tampouco o rosto mostra feição alguma, sem alegria, sem felicidade. Apático, como se tivesse tomado uma droga muito forte para dormir e foi obrigado a acordar para um mundo que não è seu. A praça é a corujeira. Essa praça esta localizada na freguesia de Campanhã no Porto. Parei aqui e sentei no banco enquanto espero meu horário de trabalho. É domingo, 28 de maio. Estou indo até a travessa da corujeira. Vou sem vontade de tanto minha chefe insistir e dizer que gostam de mim. Se gostassem mesmo  me deixariam em paz, me deixariam descansar essas duas horas a mais que eu tenho na tarde de domingo. Estou cansada. Tão cansada que não sei mais quem sou ou para onde ir. Temo que esteja perdendo o vinculo que me liga a minha família que vive no Atlântico sul. Houve uma época que eu dizia que vínculos são  armadilhas, devo ter lido isso no livro A Náusea de Jean Paul Sartre. Ou foi Milan Kundera? Era jovem e na época gostei. Minha neta nasceu há três anos atrás e eu não a peguei no colo, não a beijei, não senti o seu cheiro. Ela cresce e eu diminuo. Só existe em mim esse momento, essa praça com enormes árvores, os bancos enfileirados, e as pessoas que passam. A vida que vivi vai ficando tão longe de mim que por instantes sou acometida por  medo, pois é como um sonho que se sonha minutos  antes de acordar. Impactante, real, mas que lentamente vai se apagando, peça por peça até não ficar mais nada, somente a sensação de ter sonhado.


Márcia Mesquita - Porto 2023




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