Grandes crimes que abalaram o (meu) mundo - Galdino Jesus dos Santos - Índio Pataxó
Excelentíssimo
(a) Senhor (a) Doutor (a) Juiz (a) Presidente do tribunal do júri da
Circunscrição Especial Judiciaria de Brasília – DF
O
ministério Público pela Promotoria de Justiça em exercício junto a esta unidade
jurisdicional, no uso de suas atribuições legais, vem com base no inquérito
Policial 095/97 – 1ᵃ DP, oferecer
denúncia contra M.R.A, A.N.C.V, T.O.A e E.C.O, pela prática dos seguintes fatos
delituosos:
1.
No
dia 20 de abril de 1997, por volta de cinco horas, na EQS703/704 – W3 Sul –
Brasília DF, os denunciados, juntamente com o menor de idade G.N.A.J., mataram
Galdino Jesus dos Santos, índio Pataxó, contra o qual jogaram substância
inflamável, ateando fogo a seguir, assumindo claramente o risco de provocar o
resultado morte.
Apurou-se,
com o incluso inquérito, que os denunciados, após terem-se divertido durante
toda à noite, já quase ao amanhecer procurando dar continuidade à diversão, ao
passarem pelo banco da parada de ônibus onde dormia a vítima, supondo ser ela
um mendigo, deliberaram sobre a ideia de dar continuidade à diversão fazendo do
pretenso mendigo uma tocha humana.
A
ideia macabra foi abraçada por todos eles, que compraram dois litros de
combustível, retornaram ao mencionado local, desceram do veículo e passaram a
colocar o plano em prática, tendo todos ciência de estarem contribuindo na conduta
uns dos outros, com unidade de desígnio.
O denunciado E. e o menor infrator
despejaram o líquido inflamável sobre a vítima, e os demais denunciados atearam
fogo em seu corpo, evadindo-se a seguir.
A vitima foi socorrida por populares que, com
muita dificuldade, conseguiram apagar o incêndio e conduziram-na a um hospital.
Já era tarde, porém, para salvar sua vida. Em razão da queimadura gravíssima em
todo o corpo, Galdino veio a falecer, após muitas horas de lenta e torturante
agonia.
Os
denunciantes praticaram o crime por motivo torpe, qual seja para se divertir
com a cena de um ser humano em chamas.
E
o fizeram com extrema crueldade, sendo do conhecimento geral que a morte por
queimaduras implica sofrimento atroz.
Os
denunciados utilizaram-se de recurso que impossibilitou à vitima de esboçar
qualquer gesto defensivo, pois atacaram-na enquanto ela dormia. Galdino era
índio e não podia imaginar que fosse atacado por homens brancos – tido como
civilizados – enquanto dormia completamente desprotegido, sobre um banco de
avenida principal da Capital da República.
2.
Ao cometerem o crime com G., menos de 18 anos de idade os denunciados
facilitaram sua corrupção.
Os
denunciados infringiram, assim o mandamento proibitivo do artigo 121§ 2.º
inciso I, II e IV, do código penal, antigo 1.º da lei 2.252/54 e artigo 1.º da
lei 8.072/90, razão pela qual requer a instauração do processo-crime,
citando-os para todos os seus atos, sob pena de revelia, e intimando as
testemunhas abaixo arroladas para virem depor sobre os fatos retrodescritivos,
na forma da lei.
Requer,
a final, procedência integral da acusação para nos termos, do artigo 408 do
Codigo de Processo Penal pronunciar M.R.A., A.N.C.V., T.O.A., e E.C.O.,
submetendo-os ao julgamento do Egrégio Conselho de Sentença desse tribunal do
Jurí, que os condenará.
Brasília, 23 de abril de 1997
Maria
José Miranda Pereira
promotora de Justiça
promotora de Justiça
A ação inicial dos réus, sem
qualquer dúvida foi dolosa. Não há como afastar a conclusão de que, ao atearem
fogo na vítima para assustá-la sabiam que iriam feri-la. O resultado, morte,
entretanto, que lhes escapou à vontade, a eles só pode ser atribuído pela previsibilidade.
Qualquer criança sabe dos perigos de mexer com fogo. E também sabe que o fogo queima
ainda mais álcool combustível, líquido altamente inflamável. Os réus também tem
esse conhecimento. Entretanto, mesmo sabendo perfeitamente das possíveis e até
mesmo provável consequência do ato impensado não está presente o dolo eventual.
Uma frase constante do depoimento de M., no auto da prisão em flagrante,
sintetiza o que realmente ocorreu. Está a fls. 15: “pegou fogo demais, a gente não
queria tanto”. Como já enfocado, assumir
o risco não se confunde em hipótese alguma com previsibilidade do resultado.
Assumir o risco é mais, é assentir no resultado, é querer ou aceitar a respectiva
concretização. É necessário que o agente tenha vontade, e não apenas a
consciência de correr o risco. E o “ter a vontade” é elemento subjetivo que
está totalmente afastado pela prova dos autos, que demonstrou à sociedade que
os acusados pretendiam fazer uma brincadeira selvagem, ateando fogo naquele que
presumiram ser um mendigo, mas nunca anuíram no resultado morte. Tem razão o
ministério público quando afirma que “não se brinca com tamanha dor nem de um
animal, quanto mais de um desprotegido ser humano”. Acrescento que a
reprovabilidade da conduta mais se avulta quando estremece de dúvidas que os
acusados tiveram muitas e variadas oportunidades de desistir da selvagem
diversão. Por outro lado, agiram de forma censurável pois, após avistarem a
vitima no ponto de ônibus da EQS 703/704 Sul, deslocaram-se a um posto de
abastecimento distante do local, nas quadras 400, para adquirir o combustível,
dizendo que o faziam porque havia um carro parado por falta de combustível. O
acusado no interrogatório, asseverou:
Os fatos
Os cinco rapazes divertiram-se até às três horas da madrugada. Trocaram de carros numa surpreendente sequência de vezes. Só M. naquela noite fatídica, usou diversos carros de luxo, alguns importados, muitos acima dos padrões dos carros brasileiros para os mortais comuns. Mas queriam ainda mais diversão. Às três horas da madrugada decidiram andar pela cidade à procura do que fazer – “para encontrar alguma coisa para a gente curtir” (fls.401). Foi quando avistaram um ser humano que não parecia humano, parecia um mendigo. Estava em situação de desamparo, na noite gelada, dormindo no banco frio de uma parada de ônibus. Essa imagem deveria inspirar sentimentos nobres de compaixão, de caridade. Em pessoas de boa índole, certamente inspiraria. Poderiam os afortunados da sorte ter tido a nobreza de ir até suas casas pegar um dos tantos cobertores que possuíam para aquecer o infeliz. Mais do que o corpo, teriam aquecido seu coração. Podiam tê-lo conduzido até a pensão onde ele deveria estar. Poderiam também só fazer uma oração. Poderiam até mesmo olhá-lo e seguirem indiferentes. Pessoas tão angelicais, tão sublimes e superiores, como as trinta e uma “testemunhas de santificação” afirmaram que eles são, teriam assumido uma atitude digna.
Não foi um ato impulsivo, de momento. Não foi uma ideia
infeliz e irrefletida. Entre o planejamento e a colocação do plano em prática
tiveram - duas horas – para refletir, para desistir, para enxergar a hediondez
do proposito. Ninguém, em nenhum momento, chegou sequer a ponderar em sentido
contrário
Alegam ter ”dado voltas pela cidade”, retornando posteriormente ao local onde
dormia o “mendigo”. Esconderam o automóvel noutra pista, sem qualquer movimento
àquela hora da noite. Assim, se fossem flagrados, ninguém anotaria a placa do
carro. Foram a pé até a Avenida W-3. O menor G. e seu primo E, levaram o
combustível. Os outros três dividiram caixas de fósforos. Todos participariam efetivamente.
E, e G jogaram o combustível
na desgraçada vitima, e os demais riscaram os fósforos. Tudo conforme o
combinado. A vitima virou uma tocha humana. Era só um mendigo sendo assado
vivo.
A fuga foi mais uma prova do caráter, personalidade e moral
deformados soa agentes do ilícito, que atinge o mais elementar bom senso e fere
a sensibilidade de qualquer pessoa de bem.
Bibliografia - Justiça penal - Editora revista dos tribunais
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