CBA - Alumínio


O relógio marcava alguma coisa entre dez, onze horas da manhã
quando Adelaide chegou no ponto de ônibus da castelo Branco. Duas mulheres e um homem estavam sentados no banco. 
Uma esperava o ônibus para Sorocaba
e a outra para Cesário Lange. 
Adelaide perguntou qual era o preço da passagem para Sorocaba,
já fazendo mentalmente a conta
do quanto gastaria para ir e vir. 
Elas lhe informaram não só isso
mas também lhe deram dicas do meio mais rápido
para chegar até Alumínio  
Adelaide ficou pensando em épocas passadas
quando esteve em outros estados
e encontrou tantas pessoas atrasadas
em lhe darem informações
tão diferentes dessas
que realmente se mostravam preocupadas
com seu trajeto. 
No céu algumas nuvens cúmulos,
sinal da chuva ocorrida no dia anterior,
indicando que o dia traria
um calor de matar.





No ônibus ficou atenta a estrada, 

observando a distância e as subidas. 

Analisava se conseguiria um dia desses fazer o mesmo trajeto de bike. 

Pensou no sol e na canseira. 
Levaria muito tempo. 
Seria até capaz de ir mas, e voltar? 
Achou melhor tirar isso da cabeça. 
Não demorou muito tempo o ônibus chegou em São Roque a terra do vinho. 
A única coisa que lembrava dessa cidade era de suas festas e o trem parando na estação 
e se enchendo de bêbados pelas janelas.  



Em São Roque desconjurando tudo aquilo, 

lembrando do tempo da antiga estrada de ferro Sorocabana quando o trem ia não só até Alumínio 

mas seguia em frente até Sorocaba 

e depois Presidente Prudente.

Perguntou a um senhor que ônibus deveria pegar 

e onde descer. 

Ele não só deu a informação 

mas quando soube que iria ate Alumínio começou a falar sobre a fabrica, 

sobre Antonio Ermínio de Moraes 
e o que acontecerá com sua fortuna. 
Profetizando disse que seus filhos trocarão tudo por uma bicicleta. 
Adelaide pouco estava se importando com isso. 
Ela ainda tentou perguntar sobre o hospital das freiras, 
mas ai outro senhor entrou no meio 
e só faltaram mandar Adelaide calar a boca 
enquanto ficaram ali disputando 
quem sabia mais sobre a vida alheia.



Esqueceu daquele bate boca enquanto tentava lembrar do nome da senhora que cuidou dela em seus 5, 7 anos

quando começou a aprender a ler. 

Pedia; "Meu Deus me ajuda a lembrar o nome". 

Demorou um pouco em seu bloqueio 
e depois o nome veio a tona: "Dona Conceição" 
Isso mesmo. 
Mas parecia tão simples que então começou a duvidar. 
Tinha duas filhas. 
Uma com o nome de Josi. 
E a outra? 
Parecia ter o nome de Hilda. 
Ou Hilda é um nome inventado?



A primeira coisa que avistou 

quando o ônibus entrou na cidade foi a fábrica. 

Não lembrava dela assim tão linda, 

tão imponente



Procurou alguém que desse a informação que  queria

Onde estava a rua em que morou?

Dona Conceição ainda vivia?

E o hospital das freiras o que fizeram com ele?
Sua mãe havia trabalhado nele
Isso devia ser uma informação importante

Encontrou uns que não sabiam de nada

e outros que sabiam quase tudo. 

Disseram a ela que o hospital foi derrubado e hoje no local foi feito um banco. Deixaram somente uma igrejinha como recordação de um tempo glorioso e hoje... 

Pra Adelaide uma decadência só.



E a rua onde morou? 
Bem a rua onde morou as casas foram demolidas 
e no local foi feito um estacionamento. 
Mas não derrubaram todas as casas 
ainda existia algumas. Foram bonzinhos



E os escoteiros? 
Quem poderia lhe informar sobre os escoteiros? 
E a mata onde iam acampar, Adelaide, sua mãe e seu irmão? 
O monte de eucaliptos


Era por aquela rua ali. 

Era sim, lembrava da subida...

Começou a procurar pessoas 

que viviam ali há mais de 50 anos ...



Ao redor da estação construíram um muro 
e um portão com um aviso: 
"Mantenha fechado" 
Mas, como não viu um: 
"é proibido entrar". 
Adelaide abriu o trinco e entrou...



Que desgraça! 
Que abandono! 
Quanto mato!
Uma estação que foi tão linda, tão limpa...


O que poderia um ser humano lembrar diante de escombros?
A não ser sentar no trilho e lastimar?



O trem que chamava de trem branco
com leito
restaurante
bancos estofados
e um senhor de uniforme e boné passando ticando o passe



Agora o que ela via
era aquela marmota ali passando
Olhem só
uma coisa com outra coisa em cima
Decepcionada até o extremo
Adelaide deu as costas e fechou o portão atrás de si
pensando ainda em voltar
e ter uma longa conversa com a família Morais
isso não é coisa que se faz!



Mas, 
depois ficou pensando...
Coitados, devem estar bem cansados desse país
dessa esculhambação... O que tinham que fazer já fizeram
Não podia deixar de pensar que apesar de tudo a cidade continuava linda
E tinha um encanto
Agora Adelaide entendia de onde vinha sua paz, seu sossego mental
Foi um legado de Alumínio



Ficou por um tempo maior ali no parque

ouvindo o silêncio

Parecia feriado

todos na fábrica trabalhando

as crianças estudando no SESI

e os jovens no SENAI

igual uma revista de boa conduta que tinha lido
não sabia onde

nem quando



Enquanto na sua cidade

as crianças estavam na rua
sujas
no meio dos entulhos

se tornando mal criadas

com a boca cheia de palavrões

a procura de parques

de brincadeiras

de campo de futebol

e aqui um parque vazio
lindo
uma biblioteca vazia
porque para tudo tem sua hora
para tudo há um tempo determinado



Vamos Adelaide confesse

confesse que você esta triste 

muito triste!




Tá bom 
eu confesso
estou triste
com as lágrimas engasgadas na garganta
Não encontrei a casa
o fogão a lenha
a minha infância
não encontrei
dona Conceição
Josi, 
os escoteiros, 
minha primeira escola...
minha rua...


Foi então que tive um click e lembrei onde
Onde poderia obter informações
No cemitério
era lá que estão todos os que tem memória
é la que estão os que tem mais de 50 anos
estão rezando pelos seus mortos

Perguntei pra-quela senhora que encontrei sentada em um túmulo com um terço na mão
se ela conheceu dona Conceição
aquela senhora que tinha um filho e duas filhas
que tinha um fogão a lenha
e que benzia
colocava uma brasa em um copo com água
fazia o sinal da cruz
resmungava algumas palavras
e tirava o mau olhada de uma criança
Era essa a dona Conceição
Ela morava ali há mais de 50 anos mas não se lembrava
Então ela se virou e disse que ia rezar pela sua comadre
Tentei perguntar mais alguma coisa e então olhei
longe 
e vi a fabrica
então compreendi
em lugar onde se tem o que fazer
não se cuida da vida de ninguém


Acho que foi ai que compreendi
que não tinha mais muito o que fazer por ali
que cada vez que voltasse
seria para sentir saudades
que todos estavam mortos
os escoteiros
o hospital com suas freiras
minha mãe me dizendo
pede a benção
A casa demolida
com seu jardim
foi ali a primeira vez que vi uma flor
conhecida como copo de leite
Agora
minha mãe morta
meu irmão 
com suas medalhas
morto
minha infância
morta




Se você não tirar fotos de uma Nuvem 



de uma árvore


do momento em que parou


para ouvir o silêncio


interrompido somente pelo canto da cigarra



         vai passar...


e você nunca mais vai ver aquela imagem que te 


encantou... 


Novamente!





Mlailin









Comentários

sueli aduan disse…
Belíssimas fotos! E o texto, então. PelosDeuses ...pura poesia.

...passagem para Sorocaba" (passagem livre totalmente :o) rsrsrsrs.

Não há mais nada a fazer lá, mas já houve e as marcas na memória que fizeram quem vc é hoje, adorável.

E hoje o registro das nuvens/árvores...de tudo fica um pouco! bjus
marcia mesquita disse…
obrigada
amore
sabe que te amo
vc foi a melhor coisa
que me aconteceu nesses tristes
dois anos
bjs

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