Treze anos sem miguel - Meu tipo inesquecível




“Quem vive na memória de alguém nunca morre” 

             Betinho



          Quando soube que Miguel morrera 
senti-me estranhamente desprotegida. 
Era sábado dia 16 de setembro de 2000. 
Manhã fria, triste nublada, 
uma garoa fina dava o toque final. 
Havia acabado de chegar em casa. 
Naquela manhã cheguei mais cedo 
tinha sofrido um acidente no trabalho 
e havia quebrado o braço. 
Ficaria de molho um bom tempo. 
Estava triste muito triste. 
Peguei o telefone e liguei para o professor 
Miguel precisava conversar com ele sobre as minhas aflições. 
Sua quinta esposa atendeu e disse: 
“Não te informaram? 
O professor acabou de ser enterrado”. 
Desliguei o telefone. 
Por um instante ouve o anseio... 
Ah! Por que não me tornei eu a quinta esposa. 
Ah! Quisera eu estar junto dele quando se foi! 
Agora não tinha como seguir as instruções 
me desligar da situação e ser uma simples observadora. 
Como alguém assistindo um filme na televisão.
Porque o filme era um só: 
Jivago no meio da neve enterrando o seu pai. 
Seus olhos marejados de lágrimas 
enquanto olhava as folhas de plátano que 
caiam ao som de tema de Lara de Maurice Jarre 
e uma senhora batendo na mão de Jivago 
e dizendo a ele asperamente não em russo, 
mas em português: 
Chore! Chore! 
Então não agüentei 
e chorei.


          Para muitas pessoas como eu, 
que sempre pensaram que os aproveitadores, 
os seguidores de Maquiavel e sua máxima: 
“Os fins justificam os meios”, 
davam as cartas, esse homem de quase 90 anos, 
sem papas na língua era nossa âncora. 
O que nos dizia com clareza, com perspicácia 
o que devíamos fazer par não sucumbirmos 
e sermos enganados estraçalhados por eles: 
Os canalhas.
          Cavalgava para batalhar contra políticos corruptos, 
empresários pomposos e arrogantes 
e sujeitos donos do mundo. 
Odiava injustiças, especialmente quando 
o alvo eram pessoas sem influência. 
Defendia as pessoas comuns que se não fossem por ele 
não seriam ouvidas. 
Miguel era a voz de Carapicuíba. 
Mas pessoas de outros lugares 
ficavam hipnotizadas com suas palavras. 
Miguel lembrava muitas vezes 
verdades importantes com freqüência esquecidas.
          Miguel formou-se na faculdade 
de filosofia ciências sociais na USP. 
Era também jornalista. 
Filho primogênito do legendário 
comandante Miguel Costa das 
tropas revolucionárias de 1924 a 1927 e 1930, 
do qual herdou o nome e o caráter justo e reto.
          Fundou e dirigiu vários jornais. 
Era um humanista. 
Um estudioso da mente humana. 
Interessado demais para não perceber 
que nossas imperfeições nos tornam 
por vezes bons, por vezes maus.
          Freqüentei sua casa na Rua Ângela P. Tolaine, 
durante um tempo quase todos os dias. 
Ganhei dele uma linda muda de o que 
é hoje um lindo e grande ipê roxo. Líamos muito. 
Quer dizer, eu lia. 
Miguel estava perdendo a visão. Conheci muito por seu intermédio. 
Nosso livro favorito: 
VIDAS ILUSTRES de Hendrik Willem Van Loon. 
Que tardes deleitosas passamos 
juntos em narrativas de inúmeros e notáveis entrevistas 
com personagens históricos desde 
Confúcio e Platão até Napoleão e Torquemada, 
sobre quem tivemos grande curiosidade 
e os quais vieram tomar vinho conosco 
em tempos que não voltam mais.


          Nos últimos meses ligava para ele às 6hs da manhã 
como que para acordá-lo de um sono 
que ainda não era hora e perguntava: 
“Professor quem foi Richelieu? 
E o que ele tem a ver com nosso presidente?” 
Ou então para informá-lo: 
“Professor, Barbosa Lima Sobrinho acaba de falecer”.
          A última vez em que o vi 
ele estava deitado em sua cama. 
Com duas lâmpadas acesas próximas a sua cabeça, 
vários cobertores em cima do seu corpo, 
um tijolo embaixo de cada pé. 
Mesmo assim tremia muito sentindo muito frio. 
Minha vontade era sair correndo dali, 
mas fiquei e pedimos uma caneca de vinho, 
uma para mim e outra para ele. Segundo ele, 
esse era o segredo da longevidade.
          Li alguma coisa que não tem mais importância 
e fui embora levando alguns livros debaixo do braço. 
Ele lutou por mais uma semana. 
Depois, abandonou este mundo que tanto o divertiu. 
Era o dia 15 de setembro de 2000, aos 90 anos de idade.

Não queria que escurecesse. 

Não queria que a vida terminasse.

Esta escuro querido amigo
Tenho saudades de sua luz

                                                             Mlailin






Comentários

CARLOS T. disse…
A morte,quando acontece perto de nós, nos deixa fragilizados pois nos lembra nossa condição humana.Vivemos "despreocupados" como num estado de negação;ninguém quer morrer;até alguém,da família ou total desconhecido, falecer.Nessa hora, nos apiedamos, sentimos parte do todo e dividimos nossa condição.
Dependendo da crença de cada um, a forma como a morte é encarada como uma passagem,como um martírio ou como o fim de tudo.
Grande Mário Lago, numa de suas entrevistas falou algo que me marcou:"Fiz um trato com a morte,eu não corro dela nem ela me persegue, um dia a gente se encontra." Sábio,não!?
sueli aduan disse…
Ô Lailin que belo texto ,ainda que o contéudo trate da tristeza, da morte, dos desencontros e encontros, da fugacidade de tudo.


Fiquei emocionadíssima!!!
Pessoas como você, jóia rara,quero sempre perto.

grataaaaaaaaaaaaaa.
beijus
marcia mesquita disse…
obrigada pelos comentários
ainda sinto muito falta
da sabedoria desse homem
mais que sabedoria
bondade
a sabedoria sem bondade
não serve de nada
Interessante... Abro a página do blog e dou conta de uma perda. Perda física, Miguel ainda vive na cabeça de Márcia.
Primeiro de novembro. Neste mês, fiquei sem minha mãe e meu irmão.
Estranho...
Abraço, Dra. Lai.
marcia mesquita disse…
triste perda
dois de uma vez
haja coração

sinto muito

Bjs

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